A Evolução de Dubai: De Miragem no Deserto ao Aeroporto Mais Movimentado do Mundo

Na década de 1930, voos comerciais já estavam rolando no Brasil, com a Varig ligando Porto Alegre a Pelotas e a Pan Am indo de Nova York a Buenos Aires, com uma parada no Rio de Janeiro.

Mas em Dubai, que hoje tem o aeroporto mais movimentado do mundo, aviões eram uma miragem no deserto.

Em uma tarde escaldante de 1937, uma enorme aeronave prateada, parecida com um dirigível, surpreendeu os habitantes da cidade ao pousar no rio. Era um hidroavião da Imperial Airways, que conectava o Reino Unido a várias possessões do Império Britânico. Dubai, na época, fazia parte dos Estados da Trégua, assim como a Índia, destino final do voo.

Rua de Dubai, em 1937 – Sir R. Hay/Royal Geographical Society via Getty Images (750×1)

Luxo no meio do nada

A bordo daquele clube voador, os cerca de 200 passageiros tinham sala de fumo, lounge e até camas. Um contraste com a terra desértica e despovoada ao redor, descreve o jornalista Jim Crane no livro “Dubai – The story of the world’s fastest city”.

Não havia vegetação, pontes nem estradas pavimentadas. Não havia concreto nem vidro, muito menos lugar para hospedar todo aquele povo que saíra da Inglaterra quatro dias antes e que, de Dubai, sabia pouco ou quase nada.

Construção de pista de aeroporto em Dubai – Adrian Greeman/Construction Photography/Avalon/Getty Images (750×1)

Em vez de ficarem na cidade, eles eram levados à vizinha Sharjah, que desde 1932 abrigava uma base aérea britânica, segundo a historiadora alemã Frauke Heard-Bey no livro “From Trucial States to United Arab States: a society in transition”.

Esse foi o início humilde da aviação em Dubai, uma época em que ela não era o lugar mais importante nem entre os vizinhos imediatos, e cuja economia girava em torno da pesca de pérolas.

A rival que ficou para trás

Os hidroaviões dos anos 1930 representaram o início de uma fase em que os emirados do Golfo Pérsico se tornaram “Estados rentistas”, segundo Crane. Em Dubai e na região, os britânicos pagavam pelo direito de desembarcar diretamente aos xeiques governantes.

“A Imperial Airways pagou ao xeique 440 rúpias indianas por mês (cerca de US$ 150), mais uma taxa de desembarque de 5 ou 10 rúpias — uma pequena quantia em termos britânicos, mas salvadora na Dubai devastada pela depressão.” Com o dinheiro dos ingleses, os xeiques conseguiam fazer aliados e concentrar poder.

Nos anos 1950, Sharjah era maior e mais importante que Dubai. Nada indicava que a situação se inverteria.

Aeroporto Internacional de Dubai nos anos 1970 – Reprodução/www.rediff.com (750×1)

Mas a negligência do governo local com as intempéries da natureza mudou o curso dos dois emirados. O Kuwait ofereceu ajuda para conter o assoreamento que ameaçava o porto de Sharjah, mas foi ignorado.

Uma noite, em 1960, uma ventania quente vinda do Irã levantou ondas que encheram o rio de areia, fechando o porto. Foi uma década perdida para a cidade, e uma oportunidade para Dubai.

Famílias poderosas e escritórios de empresas britânicas se mudaram para Dubai. Em poucos anos, Dubai se estabeleceu, mas ainda precisava mudar muitos aspectos que a prendiam ao passado.

A derrocada de Sharjah foi ainda mais significativa porque ela tinha o futuro da aviação em mãos, representado pela pista de pouso em sua base aérea. Dubai não tinha, porque apostou em uma tecnologia datada: os hidroaviões podiam fazer sucesso nos anos 1930, mas nos 1960 a realidade era diferente.

Em outras palavras, para se desenvolver, Dubai precisava de um aeroporto. O próprio xeique Rashid al Maktoum sabia disso, mas, ao tentar a permissão britânica para construir um terminal na cidade, ouviu um “não”. Já existia uma base aérea a poucos quilômetros, para que investir em outra?

O xeique então decidiu pegar carona no mercado ilícito que rolava no Golfo Pérsico. Se Dubai não ganhava um aeroporto pelas vias tradicionais, ia conseguir de outro jeito.

Contrabando internacional

Naquela época, explica Crane, o Porto de Dubai lucrava com o comércio de ouro importado do Reino Unido e dos Estados Unidos e contrabandeado para a Índia, onde era proibido. Mas esse ouro chegava por via aérea, então Sharjah ficava com uma fatia considerável do lucro.

O xeique de Dubai acreditava que só com o dinheiro pago em taxas para a base aérea da cidade rival daria para construir um aeroporto próprio. Ele decidiu contratar uma firma inglesa para projetar seu terminal e, paralelamente, pagou a um piloto britânico para que começasse a pousar seus carregamentos de ouro em uma pista improvisada no deserto de sal de Dubai.

Aeroporto Internacional de Dubai nos anos 1970 – Reprodução/www.rediff.com (750×1)

Depois, Rashid entregou um Rolex ao piloto e lhe deu uma missão: voar até o Bahrein e convencer o agente britânico responsável por Dubai a apoiar o projeto do aeroporto. O “argumento” funcionou, segundo Heard-Bey, e em 1960 o Aeroporto Internacional de Dubai foi inaugurado.

Desde então, ele cresceu sem parar. Já a base aérea de Sharjah caiu no ostracismo e virou um ponto de voos de carga, companhias low-cost e mercadores de armas.

Evolução vertiginosa

Hoje, Dubai tem o maior tráfego de passageiros internacionais do mundo. Foram cerca de 87 milhões em 2023, um tanto à frente da segunda colocada, Londres, com 75 milhões, segundo o Conselho Internacional de Aeroportos (ACI, na sigla em inglês). Em números gerais de passageiros, só fica atrás de Atlanta (EUA), que teve 104 milhões de passageiros no ano passado.

O governo local já declarou que almeja fazer de Dubai a cidade mais visitada do mundo até 2025 — uma data que parecia distante até outro dia, mas que está logo aí. Em 2023, ficou em terceiro, atrás de Istambul e Londres, então a meta não parece surreal.

O Aeroporto Internacional de Dubai, em 1965 – Patche99z (750×1)

Mas na década de 1960 isso parecia inalcançável. O aeroporto não era muito mais do que um galpão aberto de concreto com uma pista de areia. Se 30 anos antes as aeronaves pousavam no rio, agora elas chegavam no deserto.

Oficiais suados carimbavam passaportes à mão, e apenas nove companhias trabalhavam no aeroporto, conectando Dubai a 20 destinos. Na década de 1980, eram 64 destinos e 31 companhias — uma delas, aliás, era a Gulf Air, fundada por Freddie Bosworth, o piloto inglês que trabalhou pela abertura do aeroporto.

Nos anos 2000, quando o emirado já era um ponto de turismo e negócios de primeira grandeza, 118 companhias atendiam 202 destinos e cerca de 40 milhões de passageiros. Era quase o dobro da capacidade prevista originalmente.

Aeroporto Internacional de Dubai nos anos 1970 – Reprodução/www.rediff.com (750×1)

Quando o britânico Len Chapman desembarcou a trabalho na cidade, em 1971, não imaginava que passaria 30 anos ali e que testemunharia sua transformação, a começar pela independência e o fim dos Estados da Trégua. Meses depois, ele viu os ingleses partirem de vez e assistiu à criação dos Emirados Árabes Unidos.

“Não havia serviços mínimos no aeroporto, porque não precisava. Os voos eram irregulares e levavam poucos passageiros, que desembarcavam e atravessavam a pista até o terminal”, lembra Chapman, que hoje vive a aposentadoria na Austrália e mantém um site dedicado a mostrar essa Dubai de um passado nada remoto.

“Um solitário oficial de imigração carimbava os passaportes atrás de uma velha mesa de madeira. O processo levava minutos. Os passageiros podiam visitar duas lojas, depois saíam para um estacionamento de 500 vagas para encontrar um táxi, que não tinha ar-condicionado.”

Álcool liberado

Aeroporto Internacional de Dubai nos anos 1970 – Reprodução/www.rediff.com (750×1)

Outra grande diferença daquela Dubai de outrora era a relação com o álcool. Hoje, a cidade impõe regras rigorosas às bebidas alcoólicas, que são permitidas somente em locais específicos, como restaurantes e bares de hotéis.

É uma situação peculiar: ao mesmo tempo que é restritiva (e muito cara), Dubai é uma das cidades mais interessantes do mundo para beber, com concursos de bartenders e bares nas listas de melhores do planeta.

Nos anos 1970, segundo Chapman, a história era outra. Álcool era um produto como outro qualquer, importado legalmente. Mas nos mercados de outros países do Golfo Pérsico, ele era proibido.

Logo, uma garrafa de uísque em uma nação vizinha podia custar até 30 vezes mais do que em Dubai. A cidade podia não ter luxo nenhum, mas você bebia barato e em qualquer lugar.

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