Madame Tussauds: De Cabeças Decapitadas a Ícone Pop

51º31’N, 0º09’O
Antigo Bazar da Baker Street
Marylebone, Londres, Reino Unido

Hoje, o Madame Tussauds é uma rede de museus super famosa, com presença em quatro continentes e 23 cidades. Muita gente acha cafona ou sem graça, especialmente em lugares com tantas opções mais ‘cultas’ de entretenimento.

Mas, goste ou não, o primeiro desses museus de cera, em Londres, ainda é um dos destinos mais populares da cidade, uma tradição que está prestes a completar 200 anos.

Quando foi inaugurado, não só fez sucesso comercial, mas também introduziu novas formas de entretenimento popular. Era um reflexo da vida política e cotidiana da Inglaterra vitoriana.

É o que argumenta a historiadora inglesa Pamela Pilbeam no livro ‘Madame Tussaud and the History of Waxworks’. A saga começou na França revolucionária e quase morreu prematuramente, mas floresceu na Inglaterra do século 19.

Cabeças decapitadas e ‘enceradas’

A francesa Marie Grosholtz nasceu em Estrasburgo, em 1761. Cresceu em Berna, na Suíça, onde sua mãe trabalhou para um médico chamado Philippe Curtius, que ganhou notoriedade ao fazer máscaras mortuárias.

Antes da fotografia, as máscaras, feitas em gesso ou cera, serviam como molde para artistas criarem bustos ou estátuas e como lembrança da pessoa morta.

Curtius trocou Berna por Paris, onde sua fama cresceu e ele ensinou à jovem Marie a técnica. Com cerca de 15 anos, ela fez suas primeiras máscaras, representando figuras como os filósofos Voltaire e Rousseau e o político americano Benjamin Franklin. Marie escreveu em suas memórias que Rousseau e Franklin eram visitas frequentes na casa de Curtius, em Paris.

O artista começou a expor seus trabalhos em 1770. Seis anos depois, o sucesso levou a exposição para o Palais Royal, mostrando o prestígio de Curtius na corte.

Em 1782, ele inaugurou uma nova exibição no Boulevard du Temple, que incluía uma seção chamada Caverna dos Grandes Ladrões, com estátuas de criminosos. Curtius tinha acesso aos corpos de alguns deles assim que eram executados, para buscar a maior exatidão possível.

Mas em 1789, a Revolução Francesa mudou tudo. Curtius e sua pupila se tornaram alvos, dada a proximidade com a monarquia.

Para escapar da morte, começaram a fazer máscaras mortuárias dos executados, que se tornaram as novas atrações da mostra.

Marie acabou se especializando na grotesca tarefa de trabalhar com o ‘produto final’ da guilhotina. Em suas memórias, disse que se acostumou a ter cabeças decepadas sangrando no colo para captar as impressões dos mortos.

Era uma função que exigia talento artístico, estudos anatômicos e estômago forte. Quando o líder revolucionário Jean-Paul Marat foi assassinado na banheira, em 1793, ela se prontificou a estar rapidamente na cena do crime – pelo menos segundo sua própria versão dos fatos.

Mesmo tentando se adaptar aos novos tempos, Marie foi presa no auge do período conhecido como Terror. Acabou liberada, mas o susto ficou.

Curtius morreu em 1794. Marie Grosholtz herdou as peças, casou-se dois anos depois e virou a madame Tussaud. Mas o Madame Tussauds, o museu, ainda levaria um tempo.

Show itinerante

Segundo Pilbeam, Tussaud foi a mais famosa, mas houve outras mulheres que se destacaram com os bustos de cera, porque era algo visto como ‘escultura inferior’, indigna dos estudos acadêmicos. Mais que uma artista, ela era uma empreendedora visionária.

Tussaud deixou o marido em Paris e resolveu cruzar o Canal da Mancha para entreter um público sedento por novidades sobre os anos turbulentos na França. Ela tinha algo a oferecer que ninguém mais tinha.

Além de réplicas realistas de figuras famosas, Tussaud fez de si própria uma atração. Ela era alguém que veio do caos revolucionário, uma sobrevivente que morou em Versalhes e ensinou história da arte à irmã do rei Luís 16. Só ela podia dizer que fez o busto de cera do monarca com a própria cabeça real decapitada no colo.

Bem, ela dizia. Se aconteceu mesmo, não há outras fontes que corroborem ou derrubem o causo.

Em cada cidade inglesa e escocesa por onde passava, Tussaud exibia suas peças de cera em refinados salões que cobravam pela entrada. Entretenimentos do tipo eram raros fora de Londres, e ela sabia que havia um público sedento por suas histórias nas cidades menores.

Foram mais de 20 anos em turnês. Durante esse tempo, Tussaud buscou captar o que as pessoas queriam: ‘o glamour esnobe da realeza, assim como a emoção de estar a par do mais recente assassinato horrível’, resumiu Pilbeam.

Esse misto de culto às celebridades e fetichização de criminosos pavimentou o caminho para um sucesso ainda maior. Na década de 1830, já na casa dos 70 anos, Tussaud abriu sua primeira galeria, em um antigo bazar que funcionava escondido atrás de casas e lojas na Baker Street, em Londres.

Fascínio que perdura

Desenvolta ao circular nas rodas da elite, ela modelou nobres e membros da realeza. Dessa vez, porém, trabalhando com as cabeças dos modelos presas ao corpo e ainda vivas.

Os tempos eram outros. Sem execuções em massa, a nobreza queria ser eternizada em cera.

Tussaud já tinha tanto prestígio que comprou trajes e outros acessórios monárquicos, incluindo a própria carruagem de Napoleão. Recriou o casamento da rainha Vitória com o príncipe Albert, com direito a uma réplica, autorizada pela monarca, do vestido de noiva.

Ao mesmo tempo, seu faro para o grotesco continuava apurado. A ‘Câmara dos Horrores’, apelido dado por uma publicação satírica, era o salão dedicado a cenas mais violentas. As cabeças de cera de Marat e Luís 16, além da rainha Maria Antonieta e do líder revolucionário Robespierre, estavam lá.

Assassinos e criminosos que ficaram famosos no século 19 também entraram na coleção. Alguns deles, condenados à morte, doavam as próprias roupas ao museu, dando uma mãozinha à veracidade das obras enquanto tentavam fortalecer a própria fama e endossavam a influência de madame Tussaud.

Com o tempo, o salão ganhou figuras históricas, como Gêngis Khan, Vlad, o Empalador e Adolf Hitler. Isso depois que Tussaud morreu, em 1850. Segundo a revista ‘Punch’, a mesma que criou o nome ‘Câmara dos Horrores’, uma pessoa só poderia ser considerada popular se ela passasse a ‘fazer companhia às celebridades do Madame Tussauds, na Baker Street’.

Para a revista, a cera era o caminho mais poderoso e duradouro para alguém permanecer no imaginário público. O frenesi em torno das estátuas mudou com o tempo, o fascínio pelo realismo deu espaço para uma outra força de atração, mais lúdica, mas o culto a celebridades e ao mundo bizarro seguiu firme, apenas se adaptando conforme novos nomes, novos costumes e novas tecnologias chegavam.

O museu se mudou para um endereço maior, e os filhos e netos da madame expandiram o negócio, que hoje pertence ao grupo Merlin. O conglomerado é dono também dos parques Legoland e dos aquários Sea Life, entre outras atrações.

Ainda hoje, uma celebridade ganhar uma versão em cera continua sendo notícia. Posar ao lado da cópia virou tradição, e até aqueles que brincam de estátua, só pela graça de fazer uma pegadinha com o público. Arnold Schwarzenegger, trajado de Exterminador do Futuro, fez isso em 2015.

Este mês, uma filial americana do museu ganhou uma nova estátua, elogiada pela fidelidade à modelo original. Isso nem sempre acontece: as dedicadas a Britney Spears e Taylor Swift foram detonadas nas redes sociais, por exemplo.

No Natal deste ano, o Madame Tussaud de Nova York terá a versão de cera de Mariah Carey. A mais natalina das metrópoles e a mais natalina das cantoras, depois de Simone, claro.

Aliás, essa nossa grande companhia de fim de ano, assim como todos os artistas brasileiros, de qualquer época, com exceção de Anitta, jamais foi homenageada pelo museu. Então é Natal, madame.

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