A Última Canoa de Tolda: Luzitânia e a Luta pela Preservação

Gente, vocês sabiam que as canoas de tolda, também chamadas de canoas sergipanas, eram o símbolo da força econômica do rio São Francisco? Feitas de madeira por mestres artesãos locais, essas embarcações desciam o rio com o vento a favor, transportando cargas entre o sertão nordestino e a foz. Uma vibe super roots, né?

Mas, com o tempo, muita coisa mudou no São Francisco. A construção de barragens, hidrelétricas e a transposição do rio mudaram o cenário. As canoas de tolda foram substituídas por barcos a motor e transporte rodoviário. Quase viraram uma memória afetiva, exceto pela Luzitânia, o único exemplar restante.

A Luzitânia, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), chegou a ser usada pelo cangaceiro Lampião nos anos 1930. Hoje, ela corre o risco de desaparecer completamente. A embarcação naufragou no início de 2022 e está sob a posse do Iphan, atracada em Traipu, Alagoas. A Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda, dona da canoa desde 1999, denuncia que ela está em situação de extrema vulnerabilidade e que o Iphan não dá prazo para iniciar os reparos.

O que está rolando?

Em outubro, a Sociedade Canoa de Tolda enviou um ofício ao Ministério da Cultura e ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, pedindo uma intervenção para reparar a canoa e reintroduzi-la à paisagem local. Segundo a Sociedade, o Iphan não cumpriu os prazos estabelecidos numa audiência pública em junho de 2024, que determinava 90 dias para o translado da canoa para Penedo, onde a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) está construindo um estaleiro para a recuperação do barco.

“A canoa Luzitânia é um objeto feito por carpinteiros tradicionais, um exemplo único da tradição naval não só brasileira, mas global”, afirma Carlos Ribeiro Junior, fundador e presidente da Sociedade Canoa de Tolda.

Disputa judicial

A Luzitânia naufragou em janeiro de 2022, enquanto estava em manutenção em Pão de Açúcar, Alagoas. A Sociedade pediu ao Iphan que flutuasse o barco para evitar o naufrágio, mas o pedido não foi atendido. Após uma ação civil pública, o Iphan recolheu a embarcação em março de 2022. Desde então, a Sociedade enviou ofícios ao Iphan com listas de materiais necessários para o reparo, questionando a falta de verba para o translado e reparo da Luzitânia, apesar de o Iphan ter alocado mais de R$ 37 milhões na preservação de bens desde 2022.

Um relatório de setembro deste ano mostrou o estado de degradação da canoa. “A Luzitânia está danificada, cozinhando no calor”, denuncia Ribeiro Junior. “Nem o Iphan nem o Ministério da Cultura estão cumprindo sua função básica de proteger o patrimônio”, reclama.

Na audiência de junho, ficou definido que o translado da canoa seria feito por uma balsa pelo São Francisco. O prazo de 90 dias terminou em setembro. A UFAL estima que a recuperação da canoa deve durar de 10 a 12 meses, com um valor inicial de R$ 500 mil alocado pelo Iphan para reformar o estaleiro em Penedo.

Por que a Luzitânia é importante?

A Luzitânia foi tombada pelo Iphan em 2012. Ela foi comprada pela Sociedade em 1999 para ser restaurada e protegida. Com capacidade de levar até 250 sacos de 60kg e 22 passageiros, sua principal função era transportar queijo, leite, querosene e gasolina entre o sertão e a foz do rio.

Canoas como a Luzitânia começaram a desaparecer com a construção de barragens e hidrelétricas, que afetaram o fluxo de navegação. Muitas foram vendidas, destruídas ou afundadas. Ter a Luzitânia de volta à navegação é uma forma de preservar a memória desses tempos e ensinar às novas gerações sobre a construção de barcos tradicionais.

“A Luzitânia é um documento histórico, uma prova da capacidade da cultura popular”, afirma Dalmo Vieira Filho, pesquisador do patrimônio naval brasileiro.

O desafio da manutenção

A compra da Luzitânia foi seguida de um processo de restauro que durou cerca de dez anos, com o trabalho de mestres artesãos locais. A canoa voltou a navegar em 2007, mas sua manutenção se tornou um desafio, pois ela é feita de peças que se deterioram sem uso. Suas velas são de algodão, seus mastros de Pau d’arco, e a pintura precisa ser retocada anualmente.

Um desafio adicional é que já não há na região a mesma quantidade de madeiras tradicionais nem mestres artesãos com o conhecimento de como construir uma canoa. Espera-se que o reparo pela UFAL seja a base para a criação de um núcleo de tecnologias aquáticas em Penedo.

“Queremos que esse seja um espaço de preservação e desenvolvimento de embarcações sustentáveis”, explica Igor da Mata Oliveira, professor da UFAL.

A recuperação da Luzitânia pode possibilitar a criação de um museu e a navegação da canoa em festas tradicionais do Baixo São Francisco. Espera-se que até o primeiro semestre de 2025 o estaleiro esteja pronto e a reparação seja iniciada. “O desaparecimento da Luzitânia seria uma amputação cultural”, diz Ribeiro Junior.

O Iphan afirmou que a canoa está abrigada de intempéries climáticas e que a data de início da recuperação depende do translado da embarcação, que é complexo e delicado. O processo não deve se estender por mais de 24 meses.

O Iphan enfrenta dificuldade para encontrar prestadores de serviços aptos a fazer o transporte da embarcação e está concluindo a contratação de uma empresa para isso por via terrestre.

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