Gente, olha só essa experiência incrível que eu tive! Não foi a primeira vez que entrei no modo ‘saquê para comer’. Foi em 2017, numa mesa ao lado de Celso Ishy. Saí maravilhada com uma bebida que não conhecia e, até então, era super difícil de encontrar bons exemplares.
Felizmente, o saquê resistiu ao tempo e posso dizer que vi essa bebida conquistar mais e mais lugares, bebedores, possibilidades e oportunidades, mesmo aqui no Brasil.
Em menos de um ano, falei da bebida nos drinques e entrevistei os nomes mais especiais da bebida no Brasil e no mundo.
Mas nada, nada nesse mundo de São Paulo a Tóquio me preparou para o que o chef Yuta Ido e o sommelier Satoru Mikoshiba, do Maen Sake Pairing, proporcionariam no Beverino – um dos lugares mais charmosos da capital paulista para provar, falar e harmonizar vinho.
Amouse-bouche
Numa conversa rápida, soube que o Ocidente também inspira o Oriente. Foi trabalhando em um restaurante de comida italiana que Yuta percebeu que não era por ser ‘pasta’ que pedia necessariamente ‘vino’ e que com ‘sake’ o casamento funcionava até melhor.
Com isso, ele e Mikoshiba planejaram ‘apenas’ uma revolução:
Almejamos algo grandioso, que vai mudar o mercado, harmonizações realmente gostosas que as pessoas poderiam entender e se encantar, conta.
Hoje, a pequena casa de seis lugares e dois únicos funcionários atrai uma legião de jovens locais, estrangeiros e, principalmente, mulheres. Numa sociedade patriarcal, isso é enorme.
Ninguém sai igual
Durante o jantar, ficou comprovado o que Yuta e Satoru vieram defender: tudo vai bem com saquê e todo apaixonado pela bebida tem algo a dizer.
O ponto é que saquê pode ser harmonizado com muita coisa, porque hoje em dia tem muito tipo de saquê: fermentado, mais ácido, mais adocicado, mais leve.
A sommelière de saquês e vinhos Andréa Machado, da importadora Megasakê, e Thiago Frencl, sommelier do TUJU, lembram do alto teor de umami que torna a bebida muito amiga dos alimentos.
Ao contrário do vinho, o saquê não tem adstringência (taninos) ou acidez mais elevada, então aceita alimentos que são considerados difíceis para o vinho, como ovo, aspargos, coentro e especiarias, conta Andréa.
O pulo do gato, porém, é outro, como também defendem os japoneses, a sommelière brasileira e Luiz Manastarla, chef do Beverino:
Você já provou as diversas possibilidades de TEMPERATURA da bebida?
Já provou saquê quente?
Já provou saquê infusionado com queijo?
Afinal, quem vai aquecer um vinho ou uma cerveja, hein?
‘O ponto é a capacidade de obter diferentes aromas e sensações de corpo com um mesmo rótulo apenas mudando a temperatura de serviço’, entrega Luiz.
‘É divertido perceber o que a bebida entrega em contato com a comida e vice-versa. É sempre uma surpresa’, diz Pedro Ferreira, chef de sala do Ping Yang e responsável pela carta de saquês do tailandês mais disputado de São Paulo.
Mas… vai com tudo mesmo?
Para Yuta e Satoru, nem o céu é o limite. Seja salgado, doce, picante, ácido ou amargo, o saquê consegue combinar com qualquer coisa. E se está complicado achar aquele saquê perfeito, tanto melhor: ‘essa dificuldade é diversão. Às vezes a gente acha que não consegue, mas sempre consegue’.
E não se trata de arrogância, mas de perspectiva, acredite:
Tudo é, de alguma maneira, uma explosão. Toda comida tem um triângulo e cada ponto representa o ponto máximo do sabor. Salgado, acidez e amargo, o que for. O que tentamos é pegar um saquê que torne triângulo… redondo. Realça um ponto, amacia um outro e arredonda, resumem.
O time brasileiro já vê mais obstáculos, até porque a variedade de saquês aqui não é tão grande. Luiz pensa em como fazer com dendê, Thiago em como sairia a bebida ao lado de pratos muito gordurosos ou sobremesas muito doces.
Já Andrea é mais certeira: tem harmonização impossível sim.
A nossa tradicional feijoada ainda vai melhor com caipirinha. Ainda que esta possa ser de saquê, brinca.
Eu provei o ‘match perfeito’
Vi, comi e venci: provei o que Yuta e Satoru consideram a harmonização perfeita. Lá no Maen, com carne de veado. Na noite do Beverino, com vaca velha. Mais precisamente ‘boi de abate tardio, cream cheese e frutas’.
O saquê eleito para a combinação foi o Kawatsuru Sanuki Cloudy. Como Satoru explica, tem sabor de castanha, mas já adocicado. ‘Quando você junta os dois na boca, vira uma coisa incrível’, entrega a boa notícia. Em seguida, a má:
Só que esse saquê só produziu por um ano. Não tem mais.
Para Andrea, o imbatível é um encorpado e rico junmai, com a bomba de umami de uma carne dry aged. ‘Se o saquê for esquentado a cerca de 45 graus, ele ainda ajuda a derreter a gordura na boca e torna a experiência ainda mais incrível’, indica.
Já Luiz se derrete pelo namerô – tataki de carapau com misso, alho, gengibre, cebolinha e shiso – e junmai tanrei.
Surpresa! Deu certo
Para os nossos amigos japoneses, durante o jantar parecia não haver surpresas. Se os enevoados, aquecidos, premiados saquês arrancavam ‘oh’s’ por todos os cantos, a dupla estava lá: concentrada, impassível e curiosa.
‘Do que você mais gostou?’, perguntou Yuta mesa a mesa.
Para nós, curiosos daqui, porém, algumas harmonizações passadas foram um choque.
Para Andrea, um Akazake (um estilo específico de Sake avermelhado da província de Kumamoto – que leva cinzas de madeira) com Jamón Pata Negra. ‘Perfeito!’.
Para Pedro, o saquê aquecido com sobremesas.
Para Thiago, o Niida Shizenzu Kan Atusrae Kimoto Junmai, com a alcachofra com queijo Tulha e quiabo, da temporada Umidade do TUJU.
Já Luiz faz parte do hall dos sortudos, dos mais sortudos: a harmonização que não sai de sua cabeça até hoje foi feita pelo Yuta e Satoro em Shibuya.
Um peixe grelhado com aioli e caldo de camarão, harmonizado com um kimoto não-pasteurizado de Nara. O lático que o saquê trazia para o prato arredondava tudo de uma forma impressionante, ainda mais que a combinação peixe e leite não é muito famosa.
Sem querer, numa noite no centro de São Paulo, o Beverino virou Tóquio, a cabeça deu tilt e o saquê nunca mais será o mesmo.
*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: ‘Breathe (In The Air)’, Pink Floyd
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