“Com bebida, melhora. Sem bebida, a gente vai fazer o possível.”
Entrevistar o maior entendedor de uísque do Brasil, Maurício Porto, sócio do Caledonia Whisky & Co., é uma experiência única. Mesmo sem uma dose de uísque, as histórias de Maurício são super divertidas. Será que você, leitor, pode dizer o mesmo?
O blog O Cão Engarrafado foi uma das boas influências no meu gosto por destilados e coquetelaria. Antes disso, eu já tinha me apaixonado por uma Dádiva pensada em parceria com Maurício: a Odonata #5, uma Russian Imperial Stout envelhecida em barril de uísque. E, claro, morria de inveja do talento fotográfico de Maurício e seu sabre de LED que parava as degustações.
Uísque entra em cena
A paixão de Maurício pelo uísque começou com um empurrãozinho do pai. Ele lembra: “Minha família bebe muito pouco. Quando eu fiz 19 anos, eu e meu pai fizemos um cursinho de uma semana de sommelier de vinho. E qual que era o grande objetivo dele, que eu saquei depois: queria me ensinar a beber direito.”
Claro que também teve suas aventuras juvenis com cachaça e cerveja de origem duvidosa. Quem nunca, né? Anos depois, ele e seu amigo de infância, Guilherme Valle, abriram o Caledonia. Na faculdade, Maurício conheceu Luciana, hoje sua esposa, e o uísque Glenfiddich 18 anos, presente do pai de um amigo. A partir daí, ele decidiu entender mais sobre a bebida e começou a fazer cursos e viagens, como para a Escócia.
“Eu já era um entusiasta, mas quando chega lá, tá ferrado. Por mais que você estude, ir pra lá mostra que é muito mais do que um puta produto. É quase antropológico, é influenciado pelo ambiente em que eles estão. Foi surpreendente, porque é um país lindo. Não tem canto feio. E, se tem, é charmoso.”
Mesmo trabalhando como advogado no mercado de capitais, Maurício nunca perdeu a paixão pelo uísque. Ele confessa: “Acho que a palavra gostar é forte. Eu tolerava.” Mas a rotina de 12 a 14 horas diárias não era fácil. Como dono de bar há quase sete anos, a vida ficou melhor e mais divertida.
O melhor amigo do homem
Luciana, então grávida da primeira filha, sugeriu que Maurício começasse a escrever um blog. Assim nasceu O Cão Engarrafado, que traduzia o conhecimento de uísque disponível em inglês para o português. Em 2014, a comunidade dos apaixonados pelo destilado era muito menor e menos organizada.
Com cursos e degustações, Maurício e Guilherme decidiram abrir um bar. De 2017 para 2018, eles deram início ao projeto do Caledonia, que abriu em 2020, pouco antes da pandemia. “A gente se ferrou de todas as formas possíveis, imagináveis. Choveu voadora. E o Caledonia entrou no azul bonitinho, esse ano (2024).”
Sobrevivendo com delivery, eles chegaram ao “novo normal” com comida boa, coquetelaria afinada e ambiente redondo. Mas faltava algo para decolar de vez.
Deu vontade de desistir?
“Mais uma vez. Em uma delas, cheguei para o Guilherme e falei assim ‘cara, a gente precisa botar uma data nisso. Se não virar até determinada data, a gente vai fechar’.”
Sem plano B ou vontade de voltar à vida de advogado, Maurício aconselha os jovens empreendedores: “Não desistam quando tá dando errado, continuem errando.”
O Caledonia se adaptou e diversificou sua carta de coquetéis, atraindo novos fãs e prêmios, como a entrada no 50 Best Discovery e melhor bar de 2023 pela Folha de S.Paulo.
O público do Caledonia agora inclui jovens entusiastas e mulheres, além dos nerds e velha-guarda do uísque. Maurício acredita que o segredo é apresentar a bebida certa para cada pessoa.
O preço do pódio
Com os prêmios, Maurício se tornou Keeper of the Quaich, uma honraria da Escócia. Ele enfatiza que, para entrar no 50 Best Bars, é preciso política e consistência.
Ele não está disposto a fazer concessões para agradar a todos. “Muito provavelmente eu vou ter que começar a relativizar coisas, ter um drinque mais docinho, uma comidinha mais acessível, que é o caminho que você tem pra não virar um fiasco.”
Quem ainda não foi ao Caledonia, a pegada é álcool no álcool, complexidade de sabores, texturas, aromas. Um sonho, mas não é do gosto de todos. De toda forma, já vi gente que entrou dizendo detestar uísque e saiu “pensando melhor”.
E abrir um outro bar para isso… não.
“O grande risco que você tem dentro desse mundo é você criar talvez uma versão pocket ou simplificada ou acessível ou talvez uma rebuscada do que você já tem.”
Amor de uísque
Nestes bons anos de papos etílicos, posso dizer com toda convicção: Maurício não tem meias palavras para avaliar as coisas. Como bom advogado, defende com todos os argumentos possíveis o que gosta e o que não curte tanto. Ainda mais o que adora – acompanhado de um “irado”.
Hoje, trabalhando com uísque e bar, ele considera que as surras do mercado – e são muitas – não tiraram uma dose de sua paixão e continua tomando seus bons drinques em casa e se derretendo pelos mesmos queridos.
A diferença é que agora, por uma questão comercial, não ficam tão explícitos como antes. Afinal, não vale favorecer o coração nesse mundo dos negócios.
Mas Maurício faz um apelo emocionado – e sem álcool – de qualquer jeito: “Muitas vezes a gente conversa com as marcas e elas falam ‘ah, mas isso não faz sentido trazer para o Brasil. É difícil a importação’. Acho que falta um pouquinho de um olhar de começar a criar um mercado mais maduro e pronto pra aceitar produtos de luxo e coisas diferentes. É o que vai fazer a diferença. Gente, olha o macro e dá uma chance. O consumidor mudou muito nos últimos anos. A gente tem esse apelo de desejo cada vez mais.”
Se Mau falou, tá falado. Se ele indicou, tá indicado. Na infinidade de bares bons de São Paulo, como a gente acredita ter, um deles tem um dos caras mais bacanas, um cão engarrafado com orgulho.
*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: “Folson Prison Blues”, Johnny Cash.
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