Turista Paulista Morre em Salvador: A Tragédia na Igreja de São Francisco

Envelhecer é se deparar com novas formas de morrer. Não estou falando de acidentes comuns, como atropelamentos ou quedas. Nem das mortes estúpidas, como as de quem tira selfies em precipícios. Falo de mortes em que a pessoa estava no lugar errado na hora errada. Tipo as vítimas da queda da ponte entre Tocantins e Maranhão ou do espanhol atingido por uma placa de uma tonelada disparada por uma explosão.

Medo do Inesperado

Essas histórias nos fazem imaginar a morte de formas estranhas. Na semana passada, uma turista paulista morreu em Salvador, atingida pelo teto da igreja que visitava. Quem já pensou em morrer assim? Quem, após saber disso, vai pensar duas vezes antes de entrar em um edifício turístico antigo?

Quando vi a notícia, achei que seria um grande destaque. Mas foi só um pequeno destaque aqui e ali, com depoimentos e cobranças. E logo o assunto sumiu do noticiário. Nossa rotina de descaso com o patrimônio continua. Nada está seguro. Este é o país que, em 2018, teve sua mais antiga instituição científica destruída por negligência e falta de recursos.

O Patrimônio Atingido

Desta vez, o patrimônio atingido não foi um casarão histórico mineiro. Foi mais surpreendente. Uma das joias de um dos polos turísticos mais importantes do Brasil, no centro de um Pelourinho revitalizado. Um tesouro arquitetônico, ápice de esplendor de um centro histórico que é patrimônio da Unesco. Uma das igrejas mais bonitas do mundo. Ainda assim, se desmanchou e não demos tanta bola.

Claro, Notre-Dame pegou fogo e recebeu bilhões em doações. Mas, se ninguém mais fala do ocorrido em Salvador, como será a restauração da Igreja de São Francisco?

História da Igreja

Fundado em 1587, o convento foi destruído durante a invasão holandesa em Salvador. Em 1624, a capital portuguesa nas Américas foi bombardeada e saqueada. Os holandeses ocuparam o convento, danificaram a estrutura e forçaram os frades franciscanos a abandoná-lo. Após a expulsão dos invasores, os religiosos voltaram e começaram a reconstrução. O edifício atual é do século 18. A nova igreja, concluída nos anos 1720, ficou em obras até 1782.

Hoje, quem a visita e não repara nos detalhes está doido ou não largou o celular. É uma overdose de detalhes e entalhes por todo canto. Frei Sinzig escreveu em 1930: “O conjunto não permite que a vista descanse nesse ambiente feérico, exibindo uma exuberante riqueza de arte aplicada à igreja.”

Conexão com a Cultura

Graças a essa mentalidade, mesmo um convento de franciscanos podia ostentar toda essa arte coberta de ouro. As grandes intervenções no século 19 por missionários alemães tentaram reduzir isso, mas não conseguiram. Jorge Amado criticou a tentativa germânica de impor austeridade ao espírito barroco da igreja.

Mattijs van der Port, professor de religiosidade popular na Universidade de Amsterdã, disse que sentiu os mamilos enrijecerem ao adentrar a “tempestade dourada” da igreja. Era essa a igreja frequentada por Dona Flor, aquela dos dois maridos. Trinta anos depois, os entalhes angelicais da São Francisco apareceram no clipe de “Roots Bloody Roots”, do Sepultura.

O teto se desmanchou, matou uma pessoa, feriu outras e, nossa, mas já faz tanto tempo, que assunto velho, a gente mal se lembra. O arquiteto Rodrigo Espinha Baeta explica o jogo de luzes, sombras e dourados do interior da igreja: “Ao adentrar o edifício o que se absorve é o reflexo dourado das superfícies.”

Se há Carnaval no céu, devia ser assim.

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