Julieta Santamaria: A Primeira a Completar a Maior Trilha do Brasil

Julieta Santamaria, de 26 anos, é a primeira pessoa a completar a maior trilha do Brasil: 4.300 km, ligando o Parque Estadual do Desengano (RJ) ao Parque Nacional de Aparados da Serra (RS). A previsão inicial do projeto Caminho da Mata Atlântica era de que a caminhada exigiria 7 meses.

Mas a argentina, que começou a jornada em março de 2024, mostra uma versão mais real: com imprevistos, ela deve completar a última etapa em maio, 1 ano e 2 meses depois do início.

Começo da Jornada

Julieta cresceu nos arredores de Buenos Aires e já chegou a andar 600 km em um mês. Neste período, teve que contornar os perrengues causados pelo clima para passar por alguns dos trechos, sendo acompanhada até por membros do Exército em momentos mais difíceis.

“Só descobri esse mundo das trilhas quando cheguei aqui no Brasil. Lá na Argentina eu fiz algumas curtas, gostava de viajar para a Patagônia, mas comecei a me dedicar de verdade aqui no Brasil. Faz dois anos que estou aqui”, conta.

Desafios Financeiros

Em fevereiro de 2023, a argentina chegou ao Brasil para trabalhar com voluntariado, explorando alguns lugares do país para decidir onde iria morar. Quatro meses depois, ela se instalou em Ilhabela, no litoral de São Paulo.

A jovem começou a fazer trilhas nas horas vagas. “Minha ideia era fazer uma viagem de bicicleta até o nordeste do Brasil. Mas um dia, em novembro de 2023, estava conversando com um amigo e ele falou sobre o Caminho da Mata Atlântica.”

Inicialmente, Julieta achou a ideia “louca”, mas ao pesquisar as paisagens dos lugares em que passaria, começou a se imaginar fazendo o desafio.

“Em questão de três dias mudei de ideia, vendi a bicicleta e comecei a me planejar para fazer o caminho. Eu fiz alguns treinamentos (para a parte física) e tentei planejar os dias de caminhada. Comecei a fazer trilhas com mochila, para me acostumar com o peso, e a sair com chuva, com muito sol, e fazer longas distâncias.”

Mas a teoria não era tão fácil quanto a prática: Julieta conseguiu juntar algum dinheiro trabalhando na ilha, mas a reserva acabou com apenas duas semanas da caminhada, que começou pelo Rio de Janeiro.

Com material incompleto e sem conhecer a região, ela percebeu que tentar organizar tudo sozinha tinha sido um erro.

Ajuda no Caminho

“Fiquei parada em Santa Maria Madalena, que é a primeira cidade do Caminho da Mata Atlântica, por duas semanas. E nisso, minha grana foi embora. Quando saí de novo, saí só com R$ 300. Mas tudo foi acontecendo no caminho, me ajudando a continuar.”

Marcos, que apresentou o Caminho da Mata Atlântica para Julieta, é o maior financiador da maratona. Além disso, neste período, ela conheceu um morador chamado Washington, que abriu as portas de sua casa para que ela almoçasse.

Os próprios voluntários que ajudam a “construir” o Caminho da Mata Atlântica também apoiam Julieta. Quando ela conversou com Nossa, estava hospedada na casa de um deles em Florianópolis.

“Me ajudam também com dicas e orientações dos caminhos que eu vou fazer. Outros até me acompanham em alguns pedaços. E à medida que o projeto foi crescendo e ganhando visibilidade, apareceram outras pessoas. Tem dois grupos de trilheiros de Brasília que superajudam, fizeram uma vaquinha para comprar umas botas novas, é um projeto bem coletivo.”

Superando Obstáculos

Em 2024, os coordenadores da trilha ainda não tinham calculado o orçamento ideal para completar a aventura, mas destacavam que até mesmo um trecho curto, como uma ida de Friburgo até Campos, no norte do Rio, já exigiria ao menos R$ 1.000 — e isso, para um viajante econômico.

“No começo eu tinha pressa, mas a ideia não é passar reto”, detalha Julieta. Ela não estipula quantos quilômetros vai andar ao dia ou onde quer estar em determinada data. A trilheira vai “sentindo o próprio corpo”.

“Tem vezes em que caminho sem descanso, o máximo que consegui foi 3 semanas. Mas, se estiver cansada, fico mais um dia onde estiver. No começo eu tinha pressa, mas se acontecer uma coisa que me faça ficar mais um dia ou se eu conhecer outro lugar e sair da rota principal, eu faço isso. A ideia também é conhecer tudo, não passar reto pelos locais.”

Julieta acabou ultrapassando bastante a data que tinha pensado inicialmente para finalizar a trilha: novembro de 2024. Na conversa com a reportagem, em março, ainda faltavam 500 km, que devem ser cumpridos até maio.

Primeira a Completar

“Primeiro que pelo fato de ser a primeira pessoa a fazer a trilha, tem alguns obstáculos. Como passo quase sempre em unidades de conservação, preciso às vezes de permissão, às vezes de alguma pessoa me acompanhando. Em São Paulo, por exemplo, que é um pouco mais burocrático, fiz 90% do caminho acompanhada de funcionários da Fundação Florestal, ou guias, ou moradores que conheciam o caminho melhor. Então, o que fiz até agora, serviu até como um teste, sabe?”

Ser a pioneira também privou Julieta de ter a experiência completa da caminhada: alguns trechos do caminho oficial ainda não estão disponíveis a viajantes — seja por motivos ambientais ou por passar em áreas privadas.

Isso exigiu ainda mais jogo de cintura da argentina, que teve que escolher possíveis alternativas e perdia a constância na caminhada.

Superadas as dificuldades, em janeiro, ela se reuniu com voluntários do projeto em Brusque (SC) para falar sobre a ideia de terminar a caminhada ainda no verão.

Na época, ela estava fazendo de 550 a 600 quilômetros ao mês. Mas Julieta foi aconselhada a esperar o verão acabar – evitando assim as temperaturas extremas – e parou ao chegar em Florianópolis.

“Já faz uns três meses que estou aqui. E daqui uns dias vou até Garopaba (também no litoral catarinense) e depois vou começar a subir a Serra. Vou começar realmente o trecho final em 18 de abril. E aí em mais ou menos um mês já vou terminar tudo.”

Planos Futuros

E os sonhos para depois da trilha? Ela só sabe que quer escrever um livro sobre a atual aventura. “Já estou fazendo um diário, mas quando terminar, quero me dedicar a isso. Até porque, se deixar passar o tempo, esquecemos dos detalhes.”

Julieta nunca ficou tantos dias longe da área urbana, mas afirma que está ansiosa para essa fase de imersão na reta final da caminhada.

“Tudo o que passei até agora me preparou para esse final. Falta pouco, mas vai ser o mais desafiador. Pelo frio, por andar na cerração, porque está em uma altitude alta. Mas também acho que é uma das regiões mais lindas do caminho.”

Em Florianópolis, a argentina já fez um “aquecimento” e caminhou por alguns dos cânions da região com o voluntário. Ainda no verão, eles já enfrentaram um friozinho de 8°C —que fez Julieta concluir que “realmente, não vai ser brincadeira” caminhar até o Rio Grande do Sul.

“Mas o pessoal do Caminho da Mata Atlântica quer fazer alguns trechos comigo lá. Então, não vai ser 100% sozinho. Eu tenho todo o suporte deles.”

Alimentação e Equipamento

Para comer, ela leva um mini fogareiro e panelas, onde prepara sua dieta vegetariana. A base do cardápio é macarrão, café e alguns legumes, frutas e oleaginosas — com destaque para a queridinha, a pasta de amendoim. E em trilhas mais planas (e mais fáceis) dá até pra ousar e levar alguns ovos.

Perrengues na Caminhada

É fácil perceber que Julieta não se incomoda fácil com algo, mas ainda assim ela consegue mencionar alguns perrengues que passou durante a caminhada.

Um dos mais difíceis, conta ela, é ficar sem água. Ela afirma que a escassez a ajudou a entender melhor o próprio corpo, para controlar a sede. Mas ainda assim, encarar o calor do Rio de Janeiro sem uma garrafinha foi um tanto “desesperador”.

“Uma vez fiquei sem água com uma amiga e vi nela o desespero que eu já tinha passado, e dei a água que eu tinha para ela. Já consigo controlar minha sede e ajudar o outro, por exemplo.”

Já quando o assunto é chuva e trilhas fechadas por mata, os trechos mais difíceis foram os de São Paulo — 1.400 dos 4.300 kms são no estado.

“Eu e um amigo passamos quatro dias no mato fazendo a trilha TransPetar. Foram uns 30 quilômetros de trilha fechada que abrimos no facão. Mas foi muito leve fazer isso com ele, por exemplo. Porque a gente brincava um com o outro. Ele caía, tropeçava e eu ficava zoando ele. E, no fim, quando está acabando depois de muito perrengue, você já fica com saudade e triste porque está chegando.”

“Teve outra que fiz com um mateiro e um cara que era do Exército, e a gente se perdeu, a trilha sumiu. Um deles falou: vamos passar pelo rio, porque não dá para abrir, já é noite. Aí acabamos atravessando o rio, que ia acima da cintura, e chegamos 21h do outro lado, super cansados. Acordamos às cinco da manhã com chuva na nossa cabeça, porque começou a entrar água pela barraca. No dia seguinte, tudo estava com lama, em que o pé afunda e você fica sem força para caminhar. Essa trilha foi muito perrengue. Mas lembro até agora que o cara do Exército parou no rio, lavou a cara, olhou para mim e eu estava dando risada. Ele falou para o outro: ‘essa menina não bate bem da cabeça’. Essa foi a única trilha que me deixou pensando: o que eu estou fazendo da minha vida? Mas logo passou.”

Dicas de Julieta

  • Ter um bom equipamento: “uma boa barraca, um bom tênis, umas boas botas de caminhada, fazem toda diferença. E se preocupar com os bastões de caminhada.”
  • Não brincar com o peso da mochila: “acho que é uma coisa que se aprende na prática, mas tentar não levar coisas a mais. A gente acaba levando coisas dizendo: ‘acho que em algum momento vou precisar’. Mas tem que levar só o essencial, porque senão, quem vai sofrer vai ser você.”
  • Rastreador, se possível: “Ganhei em patrocínio dois Spots, um rastreador satelital. Acho que é uma coisa que vale a pena ter, porque tem locais que realmente não tem nada. E se acontecer alguma coisa – você ser mordido por uma cobra, alguma coisa assim -, você já tem um jeito de ativar o resgate.”

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/04/07/4300-km-14-meses-argentina-e-primeira-a-fazer-maior-trilha-do-brasil.htm

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