Julieta Santamaria, de 26 anos, é a primeira pessoa a completar a maior trilha do Brasil: 4.300 km, ligando o Parque Estadual do Desengano (RJ) ao Parque Nacional de Aparados da Serra (RS). O projeto Caminho da Mata Atlântica previa que a caminhada levaria 7 meses, mas a realidade foi bem diferente.
Uma Jornada Real
Julieta começou sua jornada em março de 2024 e, com vários imprevistos, deve completar a última etapa em maio de 2025, totalizando 1 ano e 2 meses de caminhada. Crescida nos arredores de Buenos Aires, ela já havia andado 600 km em um mês, mas essa trilha foi um desafio completamente novo.
“Só descobri esse mundo das trilhas quando cheguei aqui no Brasil. Lá na Argentina eu fiz algumas curtas, gostava de viajar para a Patagônia, mas comecei a me dedicar de verdade aqui no Brasil. Faz dois anos que estou aqui”, conta Julieta.
Desafios Financeiros
Em fevereiro de 2023, Julieta chegou ao Brasil para trabalhar com voluntariado. Quatro meses depois, ela se instalou em Ilhabela, no litoral de São Paulo, e começou a fazer trilhas nas horas vagas. A ideia de fazer a trilha do Caminho da Mata Atlântica surgiu em novembro de 2023, após uma conversa com um amigo.
“Em questão de três dias mudei de ideia, vendi a bicicleta e comecei a me planejar para fazer o caminho. Eu fiz alguns treinamentos e tentei planejar os dias de caminhada. Comecei a fazer trilhas com mochila, para me acostumar com o peso, e a sair com chuva, com muito sol, e fazer longas distâncias”, explica.
No entanto, a prática se mostrou mais difícil que a teoria. Julieta conseguiu juntar algum dinheiro trabalhando na ilha, mas a reserva acabou em apenas duas semanas de caminhada. Com material incompleto e sem conhecer a região, ela percebeu que tentar organizar tudo sozinha foi um erro.
Apoio no Caminho
Julieta contou com a ajuda de guias para cumprir alguns trechos da caminhada. Marcos, que apresentou o Caminho da Mata Atlântica para ela, foi o maior financiador da maratona. Além disso, ela conheceu Washington, um morador que abriu as portas de sua casa para que ela almoçasse.
Os voluntários que ajudam a construir o Caminho da Mata Atlântica também apoiaram Julieta. Quando ela conversou com a reportagem, estava hospedada na casa de um deles em Florianópolis. “Me ajudam também com dicas e orientações dos caminhos que eu vou fazer. Outros até me acompanham em alguns pedaços. E à medida que o projeto foi crescendo e ganhando visibilidade, apareceram outras pessoas. Tem dois grupos de trilheiros de Brasília que superajudam, fizeram uma vaquinha para comprar umas botas novas, é um projeto bem coletivo”, diz.
Sem Pressa
Julieta detalha que foi fazendo o trajeto sem muitas metas. Ela não estipula quantos quilômetros vai andar ao dia ou onde quer estar em determinada data. A trilheira vai “sentindo o próprio corpo”. “Tem vezes em que caminho sem descanso, o máximo que consegui foi 3 semanas. Mas, se estiver cansada, fico mais um dia onde estiver. No começo eu tinha pressa, mas se acontecer uma coisa que me faça ficar mais um dia ou se eu conhecer outro lugar e sair da rota principal, eu faço isso. A ideia também é conhecer tudo, não passar reto pelos locais”, explica.
Obstáculos e Adaptações
Julieta enfrentou vários obstáculos por ser a primeira a fazer a trilha. Em São Paulo, por exemplo, ela fez 90% do caminho acompanhada de funcionários da Fundação Florestal, guias ou moradores que conheciam o caminho melhor. Alguns trechos do caminho oficial ainda não estão disponíveis a viajantes, o que exigiu ainda mais jogo de cintura da argentina.
Superadas as dificuldades, em janeiro, ela se reuniu com voluntários do projeto em Brusque (SC) para falar sobre a ideia de terminar a caminhada ainda no verão. Na época, ela estava fazendo de 550 a 600 quilômetros ao mês, mas foi aconselhada a esperar o verão acabar para evitar as temperaturas extremas.
O Fim da Jornada
Julieta nunca ficou tantos dias longe da área urbana, mas afirma que está ansiosa para essa fase de imersão na reta final da caminhada. “Tudo o que passei até agora me preparou para esse final. Falta pouco, mas vai ser o mais desafiador. Pelo frio, por andar na cerração, porque está em uma altitude alta. Mas também acho que é uma das regiões mais lindas do caminho”, diz.
Para comer, Julieta leva um mini fogareiro e panelas, onde prepara sua dieta vegetariana. A base do cardápio é macarrão, café e alguns legumes, frutas e oleaginosas, com destaque para a pasta de amendoim. Em trilhas mais planas, ela até ousa levar alguns ovos.
Dicas de Julieta
- Ter um bom equipamento: “Uma boa barraca, um bom tênis, umas boas botas de caminhada, fazem toda diferença. E se preocupar com os bastões de caminhada.”
- Não brincar com o peso da mochila: “Tentar não levar coisas a mais. A gente acaba levando coisas dizendo: ‘acho que em algum momento vou precisar’. Mas tem que levar só o essencial.”
- Rastreador, se possível: “Ganhei em patrocínio dois Spots, um rastreador satelital. Acho que é uma coisa que vale a pena ter, porque tem locais que realmente não tem nada.”
Julieta planeja escrever um livro sobre sua aventura. “Já estou fazendo um diário, mas quando terminar, quero me dedicar a isso. Até porque, se deixar passar o tempo, esquecemos dos detalhes.”
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/04/07/4300-km-14-meses-argentina-e-primeira-a-fazer-maior-trilha-do-brasil.htm