A Revolução da Crítica Gastronômica: De Ruth Reichl aos Influencers

As histórias da jornalista Ruth Reichl como crítica de restaurantes do The New York Times são hilárias e fascinantes.

Disfarces Elaborados

Reichl ficou famosa por criar disfarces elaborados. Ela usava perucas, maquiagem, roupas de brechó e até cartões de crédito com outros nomes para manter seu anonimato.

Naquela época, o crítico precisava ser totalmente desconhecido. A ideia era garantir a maior isenção possível nas análises.

Ser reconhecida poderia influenciar a experiência: mimos extras e pratos mais caprichados. Afinal, a senhora da mesa 4 era a crítica do jornal mais importante do mundo.

As resenhas podiam “fazer ou quebrar” um restaurante. Muitos donos de restaurantes tinham dossiês com fotos de críticos e informantes para alertar a equipe caso ela aparecesse.

Isso aumentava a necessidade dos disfarces. Reichl desenvolveu personagens completos para cada disfarce, com nome, história de vida e estilo de vestir.

Ela usou mais de 30 perucas durante sua passagem pelo Times. Cada personagem influenciava como ela era tratada nos restaurantes.

Muitas dessas anedotas estão no livro “Garlic and Sapphires: The Secret Life of a Critic in Disguise” (Alho e Safiras: A Vida Secreta de uma Crítica Disfarçada), que nunca teve edição no Brasil.

Reichl foi uma das críticas mais conhecidas do maior jornal do mundo. Ela manteve-se no cargo até 1999, quando o mercado de restaurantes e a figura do crítico eram muito diferentes.

Carreira em Mudança

Hoje, o NY Times tem mais de um crítico, todos bem conhecidos do público. Eles aparecem em postagens do jornal, fazem reels para o Instagram e acumulam milhares de seguidores.

Priya Krishna é um exemplo. Ela coleciona livros de receita, tem quase 400 mil seguidores e um fandom que conhece bem seu trabalho.

Ela é a imagem do crítico gastronômico moderno. Pouquíssimos jornais ainda podem pagar por um profissional assim.

Ser crítico de verdade demanda uma dedicação de tempo brutal e muito dinheiro. Algo escasso no jornalismo de hoje.

Por isso, não existe ‘ser’ crítico gastronômico; na verdade, se ‘está’ crítico gastronômico quando se exerce o papel de visitar restaurantes para escrever sobre eles de forma dedicada e profissional.

Tchau, Anonimato

O NY Times fez um post engraçado explicando a função de crítico gastronômico. Diz o jornal que é preciso antiácidos, planilhas e pseudônimos.

Hoje, é quase impossível não ter uma foto sua no Google. Total anonimato é coisa do passado. Os jornais querem que seus críticos mostrem a cara em busca de engajamento.

Hoje eles concorrem com influencers e tiktokers que fazem resenhas e vídeos de avaliação de restaurantes. Na guerra pela atenção da audiência, só ter credibilidade não basta; é preciso se mostrar.

O risco está quando a forma se sobrepõe ao conteúdo. Devia haver espaço para todos. Há pessoas sérias fazendo vídeos e legendas de recomendações que vão além de notas simplistas.

Jornalismo de Influência

Na era do “todos somos influencers”, até profissionais gabaritados estão tirando o pior das redes para realizar seus trabalhos.

Imperam dois tipos de “crítica”: aquelas que rasgam elogios ou aquelas escritas na força do ódio. Em um mundo polarizado, não há espaço para uma discussão equilibrada.

Basta ler as críticas nos maiores jornais do mundo: até a linguagem emula posts e legendas, clichês e gírias para engajar.

Quando não proferem adjetivos negativos, dizem que, no prato, “one could feel the passion of Caravaggio”. Falta bom senso e sentido de discussão.

A crítica gastronômica sempre foi um farol. Não apenas para nos ajudar a escolher onde comer, mas para gerar discussões e reflexões nos próprios chefs e restaurantes.

O que Há de Especial na Crítica

Pode perguntar a qualquer cozinheiro, e ele vai apontar como um texto sério foi fundamental para mudar os rumos de um prato, de sua cozinha ou de sua vida profissional.

Quando feita com respeito e seriedade, a crítica é fundamental para todo o segmento.

É bom que tenhamos pluralidade de vozes escrevendo sobre comida. O problema surge quando essas vozes começam a soar parecidas: nas legendas do Instagram, nos vídeos do TikTok, nas páginas dos jornais.

Ainda prefiro quando Ruth Reichl levava distintos personagens para jantar fora, mas voltava e escrevia tudo no mesmo computador, sob as mesmas regras: com método, ética e intenção crítica.

No fim das contas, mais do que o número de seguidores, o que define um bom crítico é o quanto ele entende o que está provando e sabe comunicar isso com clareza, contexto e responsabilidade.

Numa era em que a gritaria vale mais do que o argumento, uma opinião bem construída virou raridade. Todo mundo tem algo a dizer, mas quase ninguém tem algo a argumentar.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/04/17/a-critica-gastronomica-morreu-nao-so-virou-conteudo.htm

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