A revolução foi televisionada. Quando ainda era apenas um jovem cozinheiro, Jamie Oliver apareceu em segundo plano num documentário da BBC sobre o prestigiado River Café, onde trabalhava à época.
Sua espontaneidade diante da câmara chamou a atenção de produtores da emissora e, poucas semanas depois, ele já assinava contrato para protagonizar The Naked Chef, seu primeiro programa — que estreou em 1999 propondo uma cozinha despida de complicações.
O Caminho para a Fama
Dali para a fama foi um caminho sem volta: primeiro no Reino Unido, depois no mundo todo. Vieram séries de TV, programas de viagem, documentários, uma série de livros (muitos livros), além de uma coleção de restaurantes.
Sua trajetória não apenas elevou o patamar da cozinha britânica — mostrando que nem tudo era tão sem graça como se imaginava — como também transformou Oliver numa marca global. Um chef pop, carismático, acessível, que influenciou uma geração inteira.
Chef’s Table: Uma Homenagem
Parte (a mais bonita) dessa história está agora contada num episódio da nova temporada de Chef’s Table, que acaba de estrear na Netflix. Depois de explorar confeiteiros, pizzaiolos e cozinheiros de várias partes do mundo, a série volta-se para o passado.
Ou melhor, para os cozinheiros “legendários” (como sugere o subtítulo Legends) que ajudaram a pavimentar o caminho da gastronomia contemporânea — justo no momento em que os chefs começavam a sair da sombra das cozinhas e a ganhar os holofotes.
Em seu décimo aniversário na plataforma, Chef’s Table presta homenagem a nomes que marcaram a história da gastronomia — explorando suas técnicas, filosofias, pratos icônicos e, sobretudo, as histórias de vida por trás dos aventais.
Outros Chefs Lendários
Ao lado de Oliver, os outros três episódios desta temporada são dedicados a cozinheiros que fizeram carreira nos Estados Unidos: a californiana Alice Waters, o americano Thomas Keller e o espanhol José Andrés.
O formato mantém o que consagrou a série: histórias inspiradoras, closes cênicos em pratos impecáveis, e uma narrativa que, embora raramente fuja do bom-mocismo, ainda emociona e impacta.
Mas há aqui uma virada importante: reconhecer que só se constrói o futuro homenageando o passado. Mostrar de onde vieram as ideias que hoje achamos modernas. Celebrar quem abriu caminho para o que agora é tendência.
De Volta ao Passado
Essa virada nostálgica tomou conta do audiovisual — de remakes de novelas a séries que resgatam personagens de décadas passadas —, mas encontrou na gastronomia um terreno fértil, profundo e simbólico.
A Netflix também lançou recentemente uma série sobre Martha Stewart, que construiu um império de mídia em torno da culinária, tornando-se uma das figuras mais influentes do setor nos EUA.
Já a Apple acaba de estrear Carême, série biográfica sobre Marie-Antoine Carême (1784-1833), considerado o “pai da alta cozinha”. O homem que refinou a profissão de cozinheiro e a associou à corte, à sofisticação, ao prestígio.
O Legado dos Chefs
Foi Carême quem ajudou a transformar a cozinha num ofício de rigor e técnica — e, por isso mesmo, é uma das razões pelas quais hoje chefs de cozinha se tornaram celebridades ou referências culturais.
Carême, Stewart, Oliver, Waters, Keller, Andrés. Cada um, à sua maneira, mudou a percepção do que é cozinhar — e de quem pode cozinhar.
Oliver, com sua cozinha simples, fresca e descomplicada. Waters, com sua devoção aos ingredientes orgânicos e à sustentabilidade, bandeiras que defende há mais de 50 anos com o restaurante Chez Panisse.
Keller, com a precisão técnica e a delicadeza que tornaram a alta cozinha menos rígida, ainda que mantida num universo de luxo onde poucos podem entrar. E Andrés, mostrando que cozinhar também é um ato político.
É ele quem aparece noutro documentário, We Feed People, como protagonista de missões humanitárias em zonas de guerra e desastres, levando comida onde o Estado falhou.
Construindo Algo Grandioso
A certa altura do episódio que lhe é dedicado, o chef espanhol diz: “Leva anos, décadas, gerações para construir algo grandioso”.
E talvez seja esse o ponto central de todas essas séries: destacar personagens que não só são mestres em seu ofício, mas que chegaram ao topo com consistência, trajetória e influência.
O Valor do Legado
Em tempos de reality shows ansiosos por lançar novos nomes a cada temporada, e de cozinheiros-celebridades que surgem mais pelos likes do que pela técnica, vale a pena lembrar que as grandes histórias levam tempo.
E que a gastronomia virou tema de conversas e status social por conta de pioneiros que foram fundamentais para pavimentar os caminhos que todos os outros seguram depois.
Claro, a televisão tende a romantizar tudo — Carême vira um Don Juan, e os chefs da Netflix quase precisam esconder a capa de heróis que tentam colocar neles sob os dólmãs —, mas é essencial que essas figuras sejam apresentadas ao público pelo que realmente deixaram.
Um legado de ideias, práticas e sabores que moldaram o que hoje entendemos por gastronomia. E que, ainda hoje, tem tanto para ensinar.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/05/08/lendas-da-cozinha-inspiram-novas-series-que-mostram-apetite-pelo-passado.htm