Chegou junho e, com ele, aquele clima de festa junina que mexe com a memória afetiva de muita gente. O cheiro de milho cozido, o som da sanfona e as bandeirinhas coloridas nas ruas são verdadeiros gatilhos emocionais. Eles transportam adultos para os tempos de infância. 🌽🎶
Por que sentimos essa nostalgia?
Essa conexão com as festas juninas vai além de uma simples lembrança. É uma mistura de fatores. Segundo o psicólogo Douglas de Souza, professor da Estácio Curitiba, a nostalgia dessa época tem várias explicações. Ela é fruto de uma combinação de motivos que influenciam tanto o corpo quanto as emoções, reforçados por aspectos culturais que marcam o mês de junho.
“Essa nostalgia é resultado de um entrelaçamento de fatores biológicos, como a redução de luz solar; psicológicos, como as memórias afetivas e as reflexões existenciais; e culturais, por conta de tradições que remetem à infância e ao convívio comunitário. Compreender isso pode ajudar a acolher melhor os sentimentos que emergem nesse período e até a promover práticas de autocuidado mais conscientes”, explica.
Reviver o passado
Não é por acaso que a nostalgia junina tem um foco especial na infância. Segundo Douglas de Souza, a sensação de saudade está ligada a experiências que marcaram positivamente a vida das pessoas.
“Do ponto de vista da Psicologia do Comportamento, a nostalgia acontece quando algum estímulo do presente – como uma música ou um cheiro – nos faz lembrar de momentos felizes do passado, principalmente da infância”, diz o psicólogo.
Quando vivenciada de forma equilibrada, a nostalgia pode ter efeitos positivos. “Pode promover bem-estar, conexão afetiva e servir como fonte de motivação. O mais relevante não é a nostalgia em si, mas a função que ela exerce: se contribui para a ampliação do repertório e do contato com reforçadores no presente, pode ser considerada um recurso positivo no comportamento”.
Tradições que marcam
A memória afetiva das festas juninas também é construída a partir de elementos sensoriais e culturais que se repetem ao longo dos anos. Para o pesquisador Túlio Augusto, artista plástico especialista em artes brasileiras, essa celebração ocupa um lugar especial na cultura popular do país justamente por reunir tantas camadas de significados.
“As festas juninas têm grande importância na nossa formação cultural, criando uma identidade única e cheia de influências que vêm da miscigenação brasileira. Apesar de ter muita influência europeia por conta da colonização, também há traços indígenas, africanos e do povo sertanejo. É uma festividade que resiste aos anos da nossa história, marcada pela valorização cultural”, diz.
Embora a tradição seja mais forte no Nordeste, acabou se espalhando por todo o Brasil. Isso se deve aos processos migratórios que levaram nordestinos para os grandes centros urbanos, como São Paulo. “Criou-se uma identidade única e plural, que se revela e é explorada em vários meios de expressão”, diz Túlio.
Da escola para o imaginário nacional
Para muita gente, a ligação afetiva com as festas juninas começa na escola, nas quermesses do colégio e nas apresentações de quadrilha. Douglas de Souza reforça que os estímulos desse período – como as músicas, as comidas e os enfeites – são verdadeiros gatilhos emocionais.
“O olhar para esse contexto precisa respeitar a singularidade da experiência humana. Embora existam elementos culturais amplamente compartilhados, como as músicas típicas, as comidas tradicionais, o cheiro de fogueira e as brincadeiras, a forma como cada pessoa responde emocionalmente a esses estímulos é única, pois depende do seu histórico de vida, de aprendizagem e das experiências afetivas ligadas a essas memórias”, avalia o psicólogo.
Túlio Augusto complementa que, mesmo com as diferenças regionais, há uma espécie de memória afetiva compartilhada sobre o período. “Quem nunca, em junho, dançou um Luiz Gonzaga, um bom xaxado ou colocou aquela roupinha de São João para brincar nas ruas ou nas quermesses, bom brasileiro não é”, brinca o estudioso.
Mudanças e novas formas de celebrar
Com o tempo, a forma de viver o São João também mudou. O especialista comportamental ressalta que essas mudanças refletem “as alterações nas contingências de reforçamento e nos controles ambientais que influenciam o comportamento social”.
“A substituição das quermesses tradicionais por grandes eventos patrocinados e a mediação por redes sociais introduziram novas variáveis antecedentes e consequências, que impactam a participação e a frequência dos comportamentos sociais”, explica Douglas de Souza.
Para Túlio Augusto, mesmo com as adaptações, o mais importante é manter a essência da festa viva. “Acredito que nada se perde, pelo contrário. Disseminar nossa cultura, desde que não sofra descaracterização, é de extrema importância para que nossa manifestação cultural não morra. Difundir é necessário e ter acesso é primordial”, frisa.
As festas juninas inspiram diferentes formas de arte no Brasil, como a música, a moda e até o artesanato. “O casamento matuto já foi e é tema de filmes e obras de arte. A vida do sertanejo é uma grande base criativa para tantos artistas”, comenta.
Nostalgia como conforto
Além do aspecto emocional, a nostalgia junina pode ter uma função terapêutica. O psicólogo e docente explica que relembrar experiências positivas pode ajudar a lidar com os desafios da vida adulta.
“A nostalgia pode ser uma estratégia funcional de autorregulação emocional, auxiliando o indivíduo a lidar com frustrações e desafios, desde que mantenha o equilíbrio entre recordar o passado e, apesar disso, ser capaz de se engajar nas contingências do presente”, observa o professor.
O artista plástico reforça que preservar essa memória cultural é um ato de resistência. “Manter viva a nossa cultura é primordial para que as próximas gerações tenham acesso a isso não apenas em livros e museus, mas que possam vivenciar de forma física e com valorização tudo que foi criado e que formou a nossa identidade cultural”.
Para o especialista em brasilidades, “nossa relação de afetividade e nostalgia com a cultura é uma forma de cultivar toda a nossa história”. “Não adianta sentir saudade e não valorizar. A gente precisa comprar a nossa cultura de forma positiva, fazer com que ela continue viva, de geração em geração”, defende.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/06/21/saudade-da-infancia-por-que-as-festas-juninas-despertam-tanta-nostalgia.htm