Restaurantes: Refúgio de Felicidade e Conexão em São Paulo

Passo grande parte dos meus dias sentado à mesa de restaurantes. São horas e horas comendo, observando, anotando, conversando, digerindo e rindo.

O Prazer de Estar em um Restaurante

É meu trabalho, mas também se tornou um dos meus maiores prazeres. Adoro o burburinho do salão cheio, a dança dos garçons, tentar adivinhar sobre o que falam o casal da mesa dez ou o que discutem os engravatados sérios da mesa 12.

O restaurante é o único ambiente social que é, ao mesmo tempo, privado e coletivo. Sentados nas nossas mesas, vivemos o nosso próprio universo, mas o compartilhamos com universos alheios. Dividimos tempo e espaço com pessoas que talvez nunca convidaríamos para jantar sob o mesmo teto em outra ocasião.

Um Porto Seguro

O restaurante é meu lugar feliz porque também é nossa fuga da realidade, um porto seguro no meio da rotina corrida. É uma pausa no tempo para lembrarmos do que realmente importa: comer bem e estar com pessoas de quem gostamos.

Uma amiga chef me ensinou que os restaurantes não devem existir apenas para as celebrações ou momentos felizes. Segundo ela, justamente nos dias difíceis, uma refeição pode ser sinônimo de redenção. Passei a olhar as coisas sob essa perspectiva desde então.

No dia em que assinei meu divórcio, reservei uma mesa em um restaurante aconchegante perto de casa, onde costumava ir com frequência. Pedi um dos meus pratos favoritos, filés de polvo com arroz, e uma taça de vinho branco para acompanhar a comida (e a aflição). No fim das contas, ainda busquei consolo em um pudim e, se não voltei para casa menos triste, pelo menos me senti muito mais leve.

Espaços para Dias Amargos

Embora restaurantes sempre tenham sido lugares para comemorar aniversários, conquistas no trabalho ou datas especiais, aprendi que também são espaços perfeitos para dias amargos. Neles encontramos tratamento reconfortante para nossas almas machucadas. São ambientes seguros onde podemos nos chafurdar em calorias e tristeza e buscar alguma redenção para o amargor da vida.

Desde sua invenção como grandes mesas públicas que serviam caldos restauradores a pessoas debilitadas, os restaurantes nunca perderam essa vocação de restaurar. É daí, aliás, que vem seu nome.

Um Refúgio do Mundo

O escritor americano Adam Gopnik escreveu que “o restaurante (…) manteve sua magia primordial, um certo clima de travessura, de prazeres roubados, um refúgio do mundo, um barco no oceano”.

O restaurante é esse abrigo sentimental, onde somos bem-vindos, bem tratados, onde as pessoas ao redor nos oferecem gentileza, atenção e, se tivermos sorte, algum carinho. Há algo ali que nos faz sentir parte de algo maior, como se a vida fosse mais fácil de engolir quando servida em pratos acompanhados de sorrisos de cortesia.

Mais que Matar a Fome

Sempre acreditei que comer fora é mais do que matar a fome ou fugir da rotina da cozinha. Há um prazer profundo no simples ato de ser atendido, de escolher um prato que alguém pensou em criar, de dividir a mesa.

O chef sérvio Luka Balac, radicado em Helsinque, acredita que seus restaurantes são verdadeiros “hubs de felicidade”. Lugares pensados para acolher e transformar, para fazer as pessoas saírem melhores do que quando entraram.

À frente de projetos reconhecidos como o Nola, na capital da Finlândia, ele não tem dúvida de que, mais que um lugar para alimentar, um restaurante é um lugar para sermos felizes.

“Nós temos esse poder raro de tornar alguém feliz. Se você vem até mim, eu tenho esse poder. Isso é algo que poucas outras profissões têm”, disse ele em entrevista ao Food Programme da BBC.

Interações e Felicidade

Balac começa seus dias no mercado municipal, conversando com pescadores e provando ostras antes do trabalho. Ele acredita que a felicidade também está aí, nas pequenas interações e na atenção plena ao que se vive.

“Claro, você pode comprar sapatos e se sentir feliz, mas dificilmente o vendedor faz grande diferença no seu dia. Já nós, cozinheiros e garçons, podemos transformar duas horas da vida de alguém”, acrescenta. “Mesmo que cada pessoa ali carregue seus problemas, naquele momento todos estão focados em algo bom: como cozinhar o peixe, como preparar as batatas novas.”

Talvez seja isso que sentimos toda vez que nos sentamos em um restaurante: um breve suspiro de felicidade em meio aos dias, um tributo silencioso à vida, a lembrança de que não estamos sozinhos.

Felicidade Compartilhada

Receber alguém para jantar “é encarregar-se da felicidade dessa pessoa durante o tempo que ela estiver sob o seu teto”, escreveu Brillat-Savarin, pai de todos os gastrônomos, no seminal “A Fisiologia do Gosto”.

Dois séculos depois, a ciência corrobora essa percepção. Estudos mostram que comer em companhia ativa circuitos cerebrais ligados ao prazer e cria vínculos sociais que ampliam nosso senso de pertencimento.

O World Happiness Report 2025 indicou que compartilhar refeições está associado a um bem-estar subjetivo maior do que renda ou ter um emprego.

Para jovens, o impacto positivo de refeições compartilhadas na felicidade é especialmente forte. Mesmo um aumento de uma refeição coletiva por semana gera um ganho médio de 0,2 pontos na escala de felicidade (que vai de 0 a 10).

Uma pesquisa da Oxford com o Eden Project Community, que cria refeições coletivas no Reino Unido, mostra que refeições sociais aumentam bem-estar, união social e sentido de pertencimento.

Comer sob o mesmo teto que outras pessoas tem um poder mais transformador sobre nossa percepção de felicidade do que muitas das nossas atividades diárias. Por isso, como diz Gopnik, o restaurante não é uma fuga da vida, mas um tributo a ela.

A felicidade que encontramos num restaurante não vem só da comida, mas do simples fato de aceitar que alguém cuide de nós. Há algo poderoso em ser servido, em dividir a mesa com outros, em ocupar espaços onde somos vistos e, de certa forma, acolhidos com atenção.

Porque, no fim, talvez seja isso que a felicidade signifique: não um estado permanente, mas esses pequenos intervalos em que tudo parece estar no lugar, nem que seja apenas até a conta chegar.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/07/10/onde-mora-a-felicidade-provavelmente-na-mesa-de-um-restaurante.htm

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