Fábio Donato tem 52 anos e pode dizer que a Castelões, sua herança de família, é quase sua irmã mais velha, já que a pizzaria fez 100 anos em 2024.
Raízes Napolitanas e Calabresas
Localizada no Brás, a Castelões é a pizzaria mais antiga do Brasil em funcionamento. Foi fundada pelo napolitano Ettore Siniscalchi e pelo calabrês Vicente Donato, avô de Fábio. Depois, foi comandada por João, seu pai.
Minhas primeiras memórias são de chegar cedo na cantina com meu pai e ele ir verificar como é que a massa da pizza estava. Aquele cheiro é algo que eu não consigo explicar, mas hoje, consigo entender o que acontece durante a fermentação simplesmente pelo olfato, recorda Fábio.
Memórias Sinestésicas
No Brás, os cafés da manhã eram regados a doces de Dona Pascoalina, esposa do dono da mercearia e amigo da família Sr. Michele Carone. Depois disso, voltávamos para a cantina, onde eu ficava com meu pai, ajudando, de vez em quando, mais atrapalhando do que ajudando, nas tarefas diárias, assume.
A memória de Fábio sobre a Castelões de quase 50 anos atrás é sinestésica: as toalhas brancas, o perfume do molho de tomate no fogão, do preparo dos antepastos, das linguiças recém-feitas…
Nessa época eu ainda não sabia que o aroma era uma das nossas características mais marcantes. Hoje, quando passa uma pizza por mim, eu sei qual é o sabor dela só pelo aroma, diz.
Depois de horas acompanhando os saborosos bastidores, o menino, claro, cansava. Eu até tinha até um lugar secreto para me esconder ou dormir: o armário onde guardávamos as toalhas, entrega.
De Pai para Filho, o Mercadão
Ir ao Mercado Municipal era um ritual. Lá, tudo era grandioso aos meus olhos de criança, recorda Fábio sobre os passeios semanais com o pai por um dos marcos de São Paulo.
Entre pilhas de frutas coloridas, embutidos pendurados, montanhas de azeitonas e sacos de farinha, Fábio lembra do pai sendo cumprimentado com reverência por todos, com um aperto de mão firme e que muitos o chamavam pelo nome ou por Dom.
Era uma festa visitar o Mercado Municipal. Eu queria que meu pai passasse em todos os lugares e eu adorava principalmente a entrada na porta principal pela Rua da Cantareira, onde tinha os bichos vivos à venda. Ali tinha coelho, galinha, todo tipo de passarinho, galinha da Angola, e às vezes, até cabrito. Na época, eu não entendia que a maioria era para abate e achava o máximo, ficava fascinado, recorda.
Mesmo anos depois, o restaurateur tem o roteiro pelo Mercado de cabeça: do Zequinha, o verdureiro, para Vicente, o frangueiro, depois Sr. Carmene, que era o açougueiro, e, em seguida, Cláudio Zucchini, para feijoada e os dois italianos que vendiam peixes em uma banca na rua principal.
Em sequência, o Empório Chiappetta, e, por último, a família Cutrale, que já mexia com laranja. Ao final dessa saga, iam para o Mercado da Verdura, que ficava do outro lado da Rua da Cantareira.
Na volta, por volta das 09h da manhã, café da manhã com alguns primos e amigos no Bar do Mané – que ainda tem o sanduíche de tender, um dos favoritos de Fábio.
Essas idas ao Mercadão não eram apenas compras: eram aulas de vida, de respeito ao produto, de olho clínico para a qualidade, de diálogo com o fornecedor. Ali, eu aprendi que a cozinha começa muito antes do fogão, começa na escolha, no cuidado, na escuta.
Negócio ou Paixão?
Fábio conta que a cantina nem sempre foi de encontro, mas sim de negócio.
Enquanto o meu avô estava vivo, a família pouco ia ao restaurante e nossas reuniões eram na casa do meu avô todos os domingos, conta. Com o falecimento dele, o encontro da família passou a ser na cantina por questões de facilidade.
Acho que foi neste momento que a Castelões mudou de apenas negócio para uma outra coisa. Não sei se seria paixão, mas certamente deixou de ser só um negócio.
Já formalmente ativo na Castelões desde os 15 anos, Fábio não imaginava que assumiria a pizzaria e se formou em engenharia. Em curso de uma segunda faculdade, porém, viu seu pai ficar debilitado.
Na época, quis homenagear e continuar o legado de seu avô e seu pai. Com o tempo, fui convidado a dar aula no Atelier Gourmand e depois fui me especializando, fiz outros cursos, e enfim acabei assumindo a posição do rei, quando meu pai faleceu, afirma.
Em um gesto não de gratidão, nem de heroísmo, mas de gratidão (devia à Castelões), hoje traz para a casa o aprimoramento de receitas tradicionais e criar novas com qualidade técnica e sabor próprio.
Do pai e do avô, aprendeu a procurar sempre a receita mais original e atemporal.
Não há como você fazer uma releitura se você não consegue fazer o original. Tem que se entender a receita, o contexto, o tempo, descreve o processo que pode levar mais de um ano de estudo.
Exemplo disso é o sabor Castelões que, coberta com molho de tomate fresco, muçarela e calabresa artesanal feita com linguiça especial, ajudou a dar origem à pizza calabresa, o sabor atualmente mais consumido do Brasil.
Foi com esse ingrediente que Fábio começou a trabalhar na cantina. Aos cinco anos, sem poder mexer com as facas, o pequeno tinha a missão de selecionar as linguiças, colocar todas no mesmo tamanho para depois o pai poder secar, amarrar e preparar para fazer o corte.
Sem filhos, Fábio ainda não responde quem poderia ser seu sucessor, mas já avisa que não será por imposição, mas gosto. A carga de um legado é pesada, mas não pode se tornar um fardo porque é impossível se descarregar.
Uma Gestão Amorosa
Diante de três gerações que sentam às mesas da Castelões, Fábio conta com uma clientela fiel, mas defende que uma empresa de família não se sustenta somente por tradição e nome.
Estabelecimentos se perpetuam principalmente por uma coisa que não está diante do cliente: a gestão. Você pode cozinhar muito bem, mas sem a gestão, você não sobrevive e, vice-versa. As duas são irmãs inseparáveis. Então, ao meu ver, para dar continuidade ao negócio, você tem que se profissionalizar cada vez mais, opina.
Ainda assim, há lugar para uma herança de carinho. Alguns clientes pedem para sentar na mesma mesa de sempre, como se aquele lugar tivesse algo de sagrado. Para nós, isso é mais que fidelidade: é fraternidade, acredita.
Há um senhor que até hoje frequenta a Castelões e me conta, com brilho nos olhos, que vem aqui desde os cinco anos de idade, hoje ele está com 85. Ele me fala do meu avô, depois do meu pai, e agora me vê ali, no balcão, mantendo viva a chama dessa casa. É emocionante.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/08/10/dia-dos-pais-a-paulistana-como-dono-da-casteloes-herdou-negocio-e-paixao.htm