Há alguns anos, participei de uma mesa de debates no evento Mesa Tendências, em São Paulo. A ideia era que jornalistas perguntassem a donos de restaurantes sobre como concebiam seus cardápios. Aproveitei a oportunidade para lançar uma pergunta meio fora do tom: “O cliente sempre tem razão? Vocês sempre atendem aos pedidos e caprichos deles?”
Minha Opinião
Para deixar os donos de restaurantes à vontade para serem sinceros, acrescentei logo minha opinião:
Para mim, muito cliente é um verdadeiro estorvo: pretensioso mas na verdade ignorante de gastronomia; mimado na casa grande; grosseiro porque se acha superior a quem o serve.
Expliquei que clientes trabalham em outras áreas e não dominam a gastronomia. Portanto, cabe ao restaurante o papel de informar e até mesmo ensinar sobre cardápios, ingredientes, pontos de cocção, bebidas e tudo o mais.
Surpresa na Resposta
Imaginei que isso abriria espaço para que os proprietários relaxassem e se abrissem em suas queixas e agruras na relação com a clientela. Mas, para minha surpresa, com somente uma exceção, os demais (todos de ótimos restaurantes) declararam que preferiam agir como se o cliente sempre tivesse razão, sim! Mesmo quando estava na cara que não.
A principal razão era que, nos negócios deles, muito movimentados e bem-sucedidos, não seria saudável ou viável parar a rotina para explicar, argumentar ou debater com clientes.
Minha Perspectiva
Pois eu penso diferente. Defendo que nem o restaurante (ou bar) sempre tem razão, e nem o cliente.
Que restaurante vive pisando na bola, eu posso dizer de cátedra. Fui o primeiro crítico gastronômico do Brasil (que eu me lembre, posso estar errado) que instituiu, além das estrelas para representar níveis de qualidade do restaurante, também um outro símbolo — a bola preta — que sinalizava absoluta falta de qualidade do restaurante, que não merecia nem sequer ser visitado.
Portanto, nunca fui de passar pano para erros de restaurante (embora criticando duramente mas com base — após várias visitas — e, dizem, com elegância, sem sensacionalismo).
Função Social dos Restaurantes
Mas entre as críticas que faço a muitos restaurantes, está a de abrir mão de uma função social que lhe é própria: não apenas servir, adequadamente, comida de qualidade, como também transmitir ensinamento naquilo que é sua expertise: a gastronomia.
Por exemplo: servir um produto somente quando é de qualidade, está na época adequada, num preço justo, é obrigação do restaurante. Da mesma forma, recusar-se a servir um produto num momento em que não está adequado, é não só um direito, mas uma obrigação do restaurante — por mais que o seu melhor cliente, ou o mais mimado, exija aquele prato predileto naquele dia (não, o cliente mimado não tem sempre razão).
O Cliente Grosseiro
Não vamos nem falar no cliente grosseiro. Há poucos meses dei uma palestra em La Paz, na Bolívia, para profissionais dos melhores restaurantes da cidade, falando sobre o que o cliente espera do restaurante. E, depois de alinhavar vários itens que desejamos encontrar, repeti a ladainha: muitos esperam ter sempre razão, mas não têm.
Projetei na tela uma imagem com os dizeres “serviço não é servidão, é hospitalidade”: portanto, quem serve deve fazê-lo como um dom, com orgulho por seu talento e altivez, não como uma subserviência; e ao mesmo tempo, não deve aceitar o cliente que acha que é superior a quem serve (como vemos tanto no Brasil, onde a chaga do racismo, da divisão entre o senhor e o escravizado, continua tão presente).
Há pouco entrevistei o empresário de bares Facundo Guerra, que relatou como, em suas casas, se depara com pessoas que se acham superiores e destratam a equipe do serviço. Para saber como ele reage, você vai ter que aguardar que a entrevista, ainda inédita, vá ao ar no canal Sabor&Arte — só adianto que, segundo afirmou, da parte dele há tolerância zero. Seja quem for o cliente.
Queixas Modernas
Há um problema adicional nos dias de hoje. Antes, para fazer uma queixa em público um cliente precisava escrever uma carta para o jornal. Precisava ser alfabetizado, precisava gastar seu tempo e paciência; era bem provável que, ao se dar todo este trabalho, deveria estar realmente convicto de suas razões.
Agora não: basta ter um instagram qualquer de idoneidade duvidosa, basta inventar uma avaliação raivosa por motivos os mais suspeitos no Trip Advisor ou no Google, e uma pessoa qualquer pode viver seus 15 minutos de ódio e fama, e tudo bem.
Conclusão
Torço para que restaurantes e bares cumpram seu papel de servir bem, e lutar por seus ideais e escolhas (e não se dobrar pelo que parece mais fácil). Torço para que os clientes sejam rigorosos e exigentes nos seus direitos (mas não nos eventuais caprichos).
E que todos tenham razão.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/josimar-melo/2025/09/10/cliente-sempre-tem-razao-eu-cliente-chato-de-restaurante-nao-acho-nao.htm