“Me dá dez minutos?”, pede Oscar Bosch, todo apressado. Mesmo com três restaurantes em operação e mais projetos no horizonte, é difícil tirar o chef catalão de suas cozinhas.
Raízes e Polêmicas
Querendo provocar quem curte uma fofoca, ele lança um maldoso “eu gosto de polêmicas”. Mas a conversa logo avança para temas mais leves. Apontando para as novas esculturas de peixes no teto do Cala del Tanit, ele relembra noites de farra, a recente paternidade e seus restaurantes vibrantes, mas sem fogos de artifício. Vai, volta, viaja, lembra e se solta: reconhece que se vive… vivendo de fato.
Uma Família do Mar
Aroma e sabor vêm à memória com as mãos salpicando o ar como se estivesse diante do fogão: aos finais de semana, a infância de Oscar era regada a arroz caldoso com “bons peixes e frutos do mar” do avô paterno e tortilha de batata dos avós maternos.
“Venho de uma família de pescadores. Meu avô tinha um barco pesqueiro pequeno e minha avó remendava redes. Por algum motivo, eles decidiram abrir um bar…”, conta.
No início dos anos 70, o bar de Juan Bautista Bosch e Lourdes Font era para os locais, “um lugar que pescadores frequentavam depois da jornada e jogavam muito baralho, fumavam charuto, cuspiam no chão”. Quando seu pai começou a trabalhar no local como garçom, aos 15 anos, o ambiente começou a se transformar no que viria a ser, em 1980, o restaurante Can Bosch.
“Meu pai começou tarde na cozinha, com uns 30 anos. Quando eu nasci, em 1982, ele foi fazer o primeiro estágio no El Bulli, depois no Arzak. A partir daí ele começou a criar o seu destino, caminho e estilo. E até que logo depois, em 1984, o restaurante ganhou a primeira estrela Michelin, mantida até hoje”, conta o chef, que tirava os cochilos da infância em um armário onde se guardava casacos.
Fazendo a dupla perfeita com a mãe de Oscar, Montserrat Costa, Juan fez o negócio crescer, expandir e acolheu não só o primogênito, como o mais novo, Arnau (hoje comandante da cozinha).
“Com mais de 70 anos, meus pais ainda estão lá todos os dias”, diz. Em todos esses anos, raramente se distanciam do negócio. Aliás, nunca. Para visitar o neto, nascido em abril, aproveitaram a temporada em que o restaurante poderia ficar fechado.
Do Mar a Mais Estrelas
Oscar, por sua vez, foi para o mundo. Mas antes, a cozinha foi a solução para um adolescente alheio às salas de aula.
“Sou cozinheiro porque não era bom estudante. E meu pai, que sempre tentou me dar uma educação formal, me colocou para trabalhar no restaurante, com muitas regras”, lembra.
Do preparo de cafés aos clientes, passou à pia, depois uma salada aqui, uma ajuda ali. “Até que quando olhei, já tava na cozinha”.
Para sair da pequena cidade e das tentadoras noitadas locais, o pai o enviou para a Suíça estudar gastronomia e idiomas. “Me encantei e logo que eu voltei decidi que queria mesmo cozinhar, mas em outro país”.
Foi assim que o jovem Oscar parou no ostentoso Relais & Châteaux Gravetye Manor, um castelo cercado de um verde e muitas histórias. É lá, a 30 minutos de Londres, que Oscar aponta fotos e diz: “foi a melhor época da minha vida.”
Entre botes perdidos em lagos, trotes com comida fermentada, perseguição de cães de guarda, porres e mais porres com os amigos britânicos, foi ele o primeiro espanhol neste estrela Michelin, mas não diretamente como cozinheiro.
“Eu dominava, de certa forma, um pouquinho a faca e tudo isso, mas nunca tinha entrado numa cozinha profissional que não fosse a do meu pai. Aí eles me testaram, me deixaram durante dois meses num porão, com vegetais e carnes de caça”, lembra.
Em dois meses, “the spanish fellow” subiu, entrou na cozinha, num dos dias desmaiou (“nervosismo? Não sei”), mas foi ganhando respeito, amigos para a vida e uma experiência clássica e luxuosa.
Um ano e meio depois, voltaria para casa. Mas não duraria: em pouco tempo estaria no El Celler de Can Roca, hoje três estrelas Michelin.
“Foi um dos melhores restaurantes que eu já trabalhei. A gente pegou um ambiente muito agradável, uma turma que estava muito afim de fazer as coisas. Era comida de verdade, sabe? Já com toques modernos, mas não tão minimalistas como é hoje”, avalia.
Foi lá que trabalhou com o saudoso Daniel Redondo, um dos fundadores do Maní, com Heleza Rizzo. “Lá, ele não gostava de mim. Eu ficava no mundo a parte da confeitaria de Jordi. Mas aqui viramos melhores amigos”, recorda o colega, morto em um acidente de moto em 2023.
Antes de vir para o Brasil, convencido pela ex-mulher, ainda passaria pelo histórico El Bulli, dos Adriá, e pelo belga Hof Van Cleve.
“Também foi duro, mas também engraçadíssimo. Conheci muita gente, consegui cultivar amigos que hoje em dia são ótimos chefs. Alguns com estrela, alguns não. Alguns com sucesso, outros não tanto.”
Catalunha no Brasil
Em 2010, decidiu jogar tudo para cima e se aventurar por aqui, um país onde já se sentia bem em todas as visitas. “Mas uma coisa é vir de férias, ganhando em euros. Morar aqui, ganhar e gastar em real sem trabalho fixo é bem diferente”, lamenta.
Na chegada, participações no espanhol Eñe, na novidade Dinner in The Sky (“aquele do guindaste, lembra?”) e no FishBar & Gastronomia. Depois o catering CookMe, “que não foi do jeito que a gente esperava, mas durou anos. Mas, pô, eu sempre fui guerreiro”.
“Eu queria restaurante, eu não queria buffet. Já tinha um bom currículo. Batia em algumas portas. Algumas se fecharam, algumas se abriam. Aí um dia, em 2015 mais ou menos, na praia, um amigo do meu ex-sogro falou ‘pô, meu, você cozinha pra caralho. E se a gente abrisse um restaurante’. Aí, botou caramelo na boca.”
“Demorou” pelo calendário ansioso de Oscar, mas em 2016 nasceu o Tanit, hoje um clássico de São Paulo.
Ironicamente, Oscar filosofa e acha que tudo veio em boa hora:
“Se alguém tivesse me dado a oportunidade em 2010 ou 2011, quando eu cheguei, de abrir um restaurante, eu não sei se eu teria tido o sucesso que eu tive. Teria feito um restaurante mais gastronômico, ou contemporâneo, ou chique, ou sei lá, molecular. E eu acho que naquela época o Brasil não estava preparado pra isso.”
Foi o tempo que precisava para saber o que ele queria, como o brasileiro come, o que o brasileiro gosta, como ele gosta. E era (como ainda é) “comida gostosa, bem empratada”.
“A maior base da minha cozinha é o sabor”, crava.
E da cozinha ele não sai.
Seja com o tranquilo casual Tanit, o descolado Nit Bar De Tapas ou o moderno Cala del Tanit, que celebra dois anos com um menu degustação que estava “entalado” nos desejos de Oscar.
“Quero que seja uma coisa mais exclusiva, especial. Não para me mostrar, mas para ter esse desafio”, explica. Para poucos comensais (seis) e com poucas etapas, está na medida para celebrar, saborear e não pesar.
Também não abre mão dos negócios, uma vez que administra ao lado da esposa Melina Kolanian a rede de sorveterias MOOI MOOI.
“Eu gosto da minha rotina, mas eu tenho a sensação de quando eu chego em casa, faltam umas 4 horas pra eu terminar o dia”, descreve.
As operações vão bem, obrigado. Com os ajustes comuns a qualquer empreendedor em gastronomia e no Brasil. Os reconhecimentos? Também.
“Nunca precisei de fazer manobras pra chamar atenção ou babar-ovo para ganhar algum tipo de coisa. Eu acho que o prêmio é uma consequência ao bom trabalho.”
E essa será a única frase mais próxima de uma polêmica que você lerá nessa entrevista – se veio para brigar, sinto decepcionar.
“Vivo isso desde os cinco anos, andando pelo restaurante com os meus pais. O que me motiva é ver a casa cheia, cliente feliz e, obviamente, que o negócio seja financeiramente bom. Isso também me deixou um pouquinho mais leve na hora de cozinhar. Eu não acho que uma placa de qualquer entrevista, ou guia, ou o que for, vai te encher o restaurante”, opina.
E para frente, quando estiver velhinho, bem experiente, o que vai fazer?
“Vender tudo e morar na praia.” Mas cozinhando para a família? “Sempre”.
*A obra de arte que decora o Cala del Tanit mencionada no texto é da Practica Maquetes em parceria com a artista plástica Psicotikka. Sem fotos. O chef ainda quer pintar a parede em uma cor que dê destaque aos seus peixes queridos.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/09/13/sem-babar-ovo-ele-toca-pequena-catalunha-em-restaurantes-de-sao-paulo.htm