Nos últimos anos, o uso medicinal da cannabis deixou de ser um tema restrito a debates acadêmicos e passou a ocupar espaço nas conversas sobre saúde humana e também veterinária.
Novas Regras da Anvisa
Em 30 de outubro de 2024, a Anvisa atualizou a Portaria 344/1998 e autorizou médicos-veterinários habilitados a prescreverem produtos à base de cannabis para uso terapêutico em animais. Agora, há maior respaldo para prescrever tratamentos à base da planta e, com isso, os tutores encontram alternativas terapêuticas seguras para seus animais de estimação.
Para a veterinária Viktoria Wensko, especializada em acupuntura, fitoterapia chinesa e cannabis medicinal, esse avanço representa uma verdadeira mudança de cenário. Segundo ela, agora existe uma gama maior de medicamentos aprovados para serem prescritos e, além disso, há mais segurança na prescrição e no uso.
Desafios e Preconceitos
Apesar da regulamentação, ainda existem obstáculos. Um dos maiores, segundo a especialista, é o preconceito. “A primeira pergunta que todo mundo faz é: meu cachorro vai ficar chapado? Meu gato vai ficar chapado? Isso já tem diminuído bastante, mas ainda aparece”, comenta.
Outro desafio é manter o acompanhamento adequado do tratamento, já que muitos tutores interrompem os retornos quando percebem melhora no quadro do animal. Por ser um tratamento terapêutico, abandonar o uso pode fazer com que problemas de saúde voltem a progredir.
Diferenças entre Humanos e Pets
Embora a base da terapia seja a mesma, há diferenças importantes no uso da cannabis entre humanos e animais.
“O que muda é o veículo de diluição. Alguns óleos, como o de abacate, por exemplo, são tóxicos para pets, por isso usamos azeite de oliva como diluente. Além disso, enquanto humanos costumam recorrer mais a óleos importados isolados, nos animais ainda se trabalha bastante com óleos full spectrum, produzidos por associações brasileiras”, explica Viktória.
Esse detalhe técnico faz toda a diferença no resultado. Isso porque os fitocanabinoides interagem com o sistema endocanabinóide — presente tanto em humanos quanto em animais — responsável por regular praticamente todos os sistemas do corpo: nervoso, digestório, circulatório, respiratório e até o tegumentar.
“Ele funciona como um regulador. Onde tem muito estímulo, diminui; onde tem pouco, aumenta. Como temos receptores desse sistema em todo o corpo, conseguimos regular várias funções com uma única medicação”, completa a veterinária.
Doenças que Mais Respondem ao Tratamento
Entre os casos que apresentam melhores resultados, a dor está no topo da lista. Depois vem a disfunção cognitiva, que é o Alzheimer dos pets, além de convulsões, problemas neurológicos e animais em quimioterapia, já que a cannabis ajuda a conter os efeitos colaterais. “Também vemos bons resultados em doenças inflamatórias intestinais, problemas de pele e até em questões comportamentais”, detalha a veterinária.
Ela destaca, no entanto, que o uso da cannabis não é indicado em animais saudáveis apenas por prevenção. “A gente usa quando há desequilíbrio do sistema endocanabinoide. Um animal saudável já produz e regula bem seus endocanabinoides. Não faz sentido suplementar sem necessidade”, explica.
Há, ainda, restrições para pacientes com determinadas condições, como cardiomiopatias, problemas endócrinos descompensados ou uso contínuo de medicamentos para pressão.
Efeitos Colaterais e Mitos
Os efeitos adversos costumam ser leves e passageiros. “Alguns animais podem apresentar sonolência nos primeiros dias ou ficarem mais molinhos, mas isso passa em poucas horas quando o tratamento é conduzido corretamente — ou seja, com doses iniciais baixas e respeitando os intervalos entre medicações”, afirma.
Um dos mitos mais comuns é acreditar que o pet ficará constantemente sedado. “A cannabis não descaracteriza o animal, ela ajuda a equilibrar. Também não resolve sozinha problemas de comportamento: precisamos combinar com outros manejos”, ressalta.
Casos que Marcam
Na clínica, alguns pacientes ajudam a ilustrar o impacto da terapia. É o caso de James, um cão idoso com disfunção cognitiva agravada por um possível AVC. “Ele ficou três dias sem dormir, vocalizando sem parar, e a tutora estava exausta. No segundo dia de tratamento com cannabis, ele voltou a dormir, parou de vocalizar e ganhou qualidade de vida. Hoje, mesmo com um tumor na boca, está bem, ativo e com progressão lenta da doença”, conta a veterinária.
Outro caso emocionante é o de Neve, uma gata de 23 anos com doença renal e crises convulsivas. “Com a cannabis, as crises diminuíram drasticamente e ela voltou a subir escadas como fazia quando era jovem. É como se tivesse rejuvenescido”, relata.
Um Futuro Promissor
Apesar dos avanços, ainda há barreiras para difundir a cannabis veterinária no Brasil. O preconceito de tutores é a principal delas. Por outro lado, o custo, muitas vezes apontado como impeditivo, não é tão elevado quanto se imagina segundo a veterinária.
“Temos óleos brasileiros de excelente qualidade, eles chegam a ser até melhores que os importados e têm valores semelhantes a outros medicamentos já usados no dia a dia”, destaca Wensko.
Para ela, o futuro é otimista. “Os tutores têm procurado cada vez mais a terapia porque ouviram relatos de melhora em outros animais. Por outro lado, os veterinários estão se abrindo mais a prescrever. A tendência é termos mais acesso, mais pesquisas e descobertas de novos canabinoides. A veterinária canábica é promissora e muito esperançosa”, conclui.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/09/22/cannabis-veterinaria-regulamentacao-promove-mais-saude-a-caes-e-gatos.htm
