Restaurante Italiano em Londres Fecha as Portas: Reflexões Sobre a Comunidade

O Don Ciccio Osteria Italiana, um restaurante italiano em Highgate, no norte de Londres, fechou suas portas na semana passada. Na entrada, uma carta de despedida dizia: “Fechamos por falta de clientes”.

Despedida Amarga

“Não bastou sermos Traveller’s Choice 2023, 2024 e 2025 no Tripadvisor”, lamentava o bilhete. “Não bastou nos dizerem que tínhamos uma das melhores pizzas de Londres. Não bastou termos 4,7 estrelas no Google, com 700 avaliações, ano após ano.”

Na carta de despedida, as letras em caixa alta gritavam: “PODEMOS SER O PRIMEIRO RESTAURANTE ITALIANO A FECHAR… não por comida ruim, críticas negativas ou má sorte — mas pela pura indiferença dos nossos vizinhos.”

Motivos do Fechamento

Os restaurantes fecham por inúmeros motivos, e a falta de clientes é um deles. No capitalismo, a lógica é simples: um serve e o outro paga. Se há pouca gente disposta a pagar, não há o que servir.

Mas culpar o cliente pode soar como um desabafo ressentido. Problemas de gestão, dívidas, inflação, custos crescentes e até a morte de um dono estão entre as causas mais comuns.

Outros fatores fogem completamente ao controle. Uma pandemia, por exemplo, fez mais de 300 mil estabelecimentos fecharem no Brasil. Muitos dos que resistiram ainda acumulam dívidas ou não conseguiram retomar o ritmo anterior à covid.

Em um setor tão volátil, qualquer coisa — do fim de uma novela a uma semana de frio intenso passando pelo jogo do Corinthians — pode afetar o movimento.

Até polêmicas alheias à comida têm impacto: segundo a Abrasel, as notícias sobre bebidas “batizadas” com metanol derrubaram as vendas de bares e restaurantes em cerca de 5% em setembro.

Apoio da Comunidade

No caso do Don Ciccio, alguns comentários já apontavam falhas: “O primeiro prato demorou meia hora e a garçonete foi grosseira. Péssimo serviço e comida. Pior experiência que tivemos!”, escreveu um cliente no Tripadvisor.

Mas o fato é que sem o apoio dos clientes, negócio nenhum consegue prosperar. A crítica dos donos vai em uma direção que está relacionada a um papel social que os restaurantes têm na nossa sociedade, muito além de servir comida.

Eles funcionam como o que o sociólogo Ray Oldenburg chamou de “terceiro lugar” — espaços que não são nem casa nem trabalho, mas onde as pessoas podem se reunir, conversar e criar laços comunitários.

Assim como o restaurante londrino, milhares de pequenos restaurantes pelo mundo servem como extensões das comunidades onde estão inseridos, ajudando a tecer a vida social de vizinhanças e cidades pequenas.

São lugares que se tornam parte da rotina emocional das pessoas. Não se trata apenas de prejuízo econômico, mas de um esvaziamento social: as pessoas deixam de ter onde se encontrar, conversar e conviver.

As listas de estabelecimentos que encerraram as atividades (dos históricos aos anônimos) refletem o desaparecimento de pedaços inteiros da vida comunitária.

Outro sociólogo, Eric Klinenberg, defende que restaurantes e cafés integram a “infraestrutura social” de uma cidade — assim como parques e bibliotecas —, oferecendo lugares onde as pessoas cruzam caminhos, trocam favores e constroem redes de apoio.

É ali que vizinhos se conhecem, oportunidades de trabalho surgem, casais começam a namorar, pessoas celebram suas conquistas — ou choram suas derrotas.

Esses contatos cotidianos, ainda que efêmeros, fortalecem a confiança pública e o senso de comunidade, elementos essenciais para a saúde de uma sociedade.

Reflexão Importante

Não quero, aqui, fazer uma defesa do Don Ciccio: não conheço seus donos, nem nunca provei a comida que o restaurante servia. Mas acho que a discussão nos levanta uma reflexão importante sobre o quanto apoiamos — ou não — os bares, cafés e restaurantes do nosso bairro, que estão no nosso entorno.

Uma Parte da Salvação

Ao apoiar restaurantes independentes, contribuímos não apenas para a sobrevivência de pequenos negócios, mas também para a vitalidade social e econômica das nossas cidades. Comer local é um ato que alimenta a coletividade.

Em primeiro lugar, porque os restaurantes locais impulsionam a economia da região. Cada refeição paga ajuda não só o dono do restaurante, mas também agricultores, fornecedores, padeiros, cervejeiros e outros profissionais ligados à cadeia de abastecimento local.

Além disso, esses espaços preservam a diversidade cultural e a identidade das comunidades. Cada restaurante local conta uma história — seja o restaurante familiar passado de geração em geração, seja o novo espaço criado por imigrantes empreendedores que chegaram ali a tentar uma vida nova.

Neles, a comida ganha um sentido de pertencimento e autenticidade que grandes redes não conseguem reproduzir. Através de ingredientes regionais e receitas tradicionais reinterpretadas, os restaurantes locais celebram o sabor e a memória de cada lugar, mantendo viva a cultura gastronômica.

Em um mundo dominado por cadeias e grupos poderosos com dinheiro para ‘erguer e destruir coisas belas’, precisamos apoiar os pequenos espaços que tentam sobreviver nesse desequilíbrio, um exército de pequenos Davis tentando enfrentar os Golias que o mercado só faz crescer.

Não significa frequentar por pena, mas escolher conscientemente onde deixar o seu dinheiro — aqueles espaços dos quais gostamos da sopa ou da sobremesa, em que o garçom boa gente conhece nossos gostos e pedidos ou onde uma mesa nos ajuda a esquecer o barulho do mundo lá fora por algum tempo.

Para cada cinco cafés comprados em uma rede global, por exemplo, um café tomado na esquina pode significar a sobrevivência de um negócio local por mais um dia — ou uma semana, quem sabe. É uma questão de apoiar o que queremos que permaneça. E, no fim, pagar a conta é a melhor forma de demonstrar isso.

No caso do Don Ciccio, o recado final tinha gosto de rancor: “Em nome de todo o povo miserável, indiferente, ignorante e ingrato de Highgate, pedimos desculpas. E boa sorte nas próximas empreitadas.”

Mas é uma clara lembrança que, se uma pizza pode não salvar o mundo, talvez pudesse ter salvo mais uma esquina de Londres.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/10/23/fechamos-por-falta-de-clientes-desabafo-simboliza-crise-dos-restaurantes.htm

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