Nas encostas cobertas pela Mata Atlântica, descendo até a Baía de Paraty, o Sítio Santo Antônio parece se esconder. Mas é ali, na propriedade sem sinalização na rodovia Rio-Santos, que fica o alambique mais icônico da região: a sede da cachaça Maria Izabel.
Recepção Especial
Maria Izabel Costa, a dona do nome que batiza a cachaça, recebe pessoalmente os visitantes. Com pés descalços, longos cabelos grisalhos em trança e uma fala mansa, ela é a personificação da tranquilidade. Dizem que, ao longo dos quase 30 anos de existência da cachaça, ela não mudou muito.
História e Tradição
Maria Izabel nasceu e cresceu nos arredores de Paraty. Sua família, que já teve grande influência na região, viveu dias de glória e decadência, assim como a cidade. Com o fim da escravidão e o esgotamento das minas de ouro, Paraty entrou em um longo período de isolamento, que só terminou com a construção da rodovia Rio-Santos nos anos 1970.
O avô de Maria Izabel, Samuel Costa, foi responsável pela chegada da luz elétrica em Paraty. Mas ela não conheceu os tempos dourados dos parentes. Foi com as cinco primeiras filhas que decidiu começar a plantar cana e aprender a destilar aguardente. Depois, veio a caçula, cujo pai é francês.
Casa das Sete Mulheres
Hoje, a maioria das filhas não vive mais no sítio, mas no passado, o local foi chamado de “casa das sete mulheres”. Em 1983, apaixonada pela mata e pelo mar, Maria Izabel vendeu uma propriedade herdada e comprou aquele pedaço de terra isolado, com vista para o mar. Na época, não havia energia elétrica nem caminho para chegar de carro; tudo era feito a pé, a cavalo ou de barco.
Foi de barco que Maria Izabel levou as primeiras mudas de cana, decidida a começar seu próprio canavial. A primeira safra de cana moída no alambique foi plantada por ela mesma no morro, em um trabalho extremamente braçal. “Talvez esse seja um pequeno preço que eu tenha para pagar o carma de antepassados senhores de engenho”, diz, exibindo as mãos calejadas.
Construção do Alambique
No início, Maria Izabel viveu da venda de banana, coco e outros produtos do sítio. Aos poucos, juntou dinheiro para montar o alambique. Ela visitou todos os alambiques de Paraty e percebeu que, construindo o alambique em três níveis, poderia usar a gravidade para o processo de destilação, já que não tinha energia elétrica. A ideia deu certo.
Quando decidiu produzir para comercialização, enfrentou preconceito. “Diziam ‘a cachaça da Maria Izabel é fraca porque é cachaça de mulher’. Mas nunca liguei. Diziam que era fraca por ter baixa acidez, o que na verdade é excelente. Pouco a pouco o falatório parou”, conta.
Produção Artesanal
Hoje, 29 anos depois, o processo de fabricação da cachaça continua orgânico e artesanal, com Maria Izabel à frente de tudo. O alambique começou a operar formalmente em 1996 e sua cachaça rapidamente se tornou famosa. Liz Calder, idealizadora da Flip, presenteou Maria Izabel com rótulos criados pelo ilustrador Jeffrey Fisher.
Com um dos menores índices de acidez da região, a cachaça caiu no gosto popular. Parcerias comerciais com bares, restaurantes e o Sandi Hotel ajudaram a consolidar sua excelência. Hoje, a cachaça Maria Izabel é a mais famosa de Paraty e a única ainda 100% produzida com cana local.
Segredo da Qualidade
Maria Izabel revela que o segredo da qualidade de sua cachaça está na cana plantada e moída imediatamente após a colheita, no uso de leveduras selvagens e na destilação cuidadosa, com fogo direto no cobre. A produção é pequena, de pouco mais de cinco mil litros ao ano, propositalmente.
“Já me ofereceram ampliar, mas ainda não quero. O que eu quero mesmo é estar presente em cada etapa”, explica. Toda a cana é plantada no sítio, e a colheita acontece no inverno, com a ajuda de uma pequena equipe. Maria Izabel começa seu expediente antes das seis da manhã e cuida pessoalmente de cada parte do processo.
Degustação e Vendas
Depois de pelo menos um ano de repouso, a bebida vai para a garrafa. Maria Izabel se encarrega dessa parte, preenchendo à mão os rótulos com a safra e a data de engarrafamento. As cachaças são vendidas no sítio, na loja online e em alguns revendedores autorizados. Desde a pandemia, a filha Marisa cuida da parte financeira e logística do negócio.
Quando Maria Izabel precisa viajar, Marisa assume as visitas guiadas de turistas. “Mas isso é muito raro, porque na verdade eu odeio sair do sítio”, confidencia Maria Izabel. As visitas ao alambique, que devem ser reservadas com antecedência, terminam com degustação das bebidas produzidas ali. Maria Izabel conduz a degustação, observando atentamente cada reação dos visitantes.
“Não sou de beber, só quando tem visita em casa”, diz. A cachaça mais nova custa R$ 155 a garrafa. As “premium” repousam em madeira, e a “laranjinha celeste” segue uma tradição antiga de Paraty. As envelhecidas “extra premium” chegam a valer mais de R$ 500 a garrafa. Realmente, um negócio de ouro.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/10/24/so-bebo-quando-tem-visita-ela-domina-as-cachacas-de-paraty-ha-30-anos.htm
