Viajar para o Vêneto, na Itália, é uma experiência única. Fui convidada por uma associação de promoção da pequena e média indústria, a Confapi, e não conseguia parar de pensar no livro “As mentiras da nonna – como o marketing inventou a cozinha italiana”.
O Livro Polêmico
O autor, Alberto Grandi, argumenta que a cozinha italiana tradicional é uma invenção recente, criada há menos de 50 anos nos Estados Unidos por imigrantes italianos. Segundo ele, essas invenções foram trazidas de volta para a Itália nos anos 1970 e, com a ajuda de governantes e marqueteiros, foram vendidas ao mundo como autênticas.
O livro foi ignorado na Itália, mas chamou a atenção da imprensa inglesa, que adorou a ideia de um italiano dizendo que sua cozinha é, na verdade, americana. Isso fez com que a tese ganhasse notoriedade mundial.
Desmontando a Tese
A tese de Grandi perde força logo nas primeiras páginas, quando ele menciona pratos tradicionais como cappelletti à bolonhesa, risoto à milanesa e pizza à napolitana, que já existiam muito antes dos anos 1970. Além disso, pratos como spaghetti com almôndegas e bife à parmegiana, populares entre os imigrantes, não são encontrados na Itália.
Embora o livro não convença, ele traz informações interessantes sobre como o marketing ajudou a criar mitos culinários. Grandi tenta provar que ingredientes como queijo parmigiano-reggiano e presunto cru não são mais os mesmos, mas isso não é exclusivo da Itália. Produtos de outros países, como o vinho do Porto e o churrasco argentino, também mudaram com o tempo.
Explorando o Vêneto
Com essas reflexões em mente, cheguei ao Vêneto. Nossa primeira parada foi Treviso, uma comuna com longa tradição agrícola. Visitamos o Castello di Roncade, um complexo murado pré-Palladiano que mantém viva a tradição agrícola com seus belos vinhos.
Vinícolas Sustentáveis
Visitamos a Perlage Winery, em Farra di Soligo, uma das principais vinícolas de espumantes orgânicos da Itália. Eles são referência em produção sustentável e na defesa do meio ambiente, produzindo Prosecco na região demarcada de Valdobbiadene.
Outra vinícola interessante é a SuttoWine Col San Martino, da família Sutto, que produz vinhos venezianos e friulanos desde 1933, representando o melhor das duas regiões.
Panificação e Confeitaria
O Vêneto também é famoso pela panificação e confeitaria. Visitamos a Fraccaro Spumadoro, em Castelfranco Veneto, fundada em 1932. Eles são referência na produção de panetones, pandoros, focaccias doces e colombas pascais. O aroma da fábrica e a degustação das massas aeradas de longa fermentação foram incríveis.
Microcervejarias e Vinagres
Também visitamos o Birrificio San Gabriel, uma microcervejaria fundada em 1997 que se inspira nas antigas receitas das abadias beneditinas. Eles produzem cervejas artesanais de pequena escala, usando maltes locais.
Por fim, fomos à Acetaia Ducale Estense, em Quarto d’Altino. Eles são os únicos na Itália a produzir vinagre com o tradicional sistema passivo solera, método transmitido desde o século 16. A tradição familiar e a qualidade dos produtos são impressionantes.
Conclusão
Nenhum dos produtores que visitei afirmou ter origens no império romano. Alguns são modernos, outros têm tradições antigas. Com ou sem discurso, todos eles mostraram qualidade consistente e uma história rica, desafiando a ideia de que a culinária italiana é uma invenção recente.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/josimar-melo/2025/11/05/a-cozinha-italiana-e-mentira-como-diz-o-livro-fui-a-veneza-conferir.htm




