Cruzar o Atlântico já foi sinônimo de coragem, visão e certa dose de loucura. Mas alguns aventureiros levaram essa combinação a extremos. Ao longo dos anos, homens e mulheres desafiaram o oceano em pranchas de stand-up paddle, jipes flutuantes e até dentro de um barril à deriva. Cada uma dessas travessias — algumas épicas, outras improváveis, todas absolutamente reais — revela a criatividade humana quando a vontade de chegar do outro lado supera a lógica e, muitas vezes, o bom senso. Esta é a coletânea das maneiras mais engenhosas que alguém já encontrou para vencer um oceano.
Barco movido a catavento
Se os ventos conseguem empurrar um barco a vela, por que não seriam capazes de fazer o mesmo com uma embarcação que tivesse um catavento? Foi pensando assim que o austro-húngaro Nikola Primorac se lançou ao mar, na Inglaterra, em junho de 1870, querendo chegar à Nova York, do outro lado do Atlântico, após apostar com amigos que conseguiria fazer aquela travessia, com um barco movido à um catavento.
O plano, a princípio, deu certo. O pequeno barco de Primorac se mostrou realmente capaz de navegar empurrado apenas por aquelas pás eólicas giratórias. Mas sempre que o casco adernava, as pontas das pás tocavam a água e o barco estancava.
Por isso, não demorou muito e o tal catavento quebrou, deixando Primorac à deriva no oceano. Ele, então, improvisou uma vela com os panos das pás e seguiu em frente, chegando à Nova York 92 dias depois de ter partido da Europa.
O vento, afinal, fez Primorac cruzar o oceano. Mas não da forma que ele apostara que conseguiria.
Um oceano vencido a nado
Em 2009, a americana Jennifer Figge se tornou a primeira mulher a cruzar o Oceano Atlântico a nado, escoltada por um barco de apoio, no qual dormia, descansava e se alimentava.
Durante a jornada, ela enfrentou ondas de até seis metros de altura e ventos fortes, que a obrigaram a nadar mais de 1.500 quilômetros além do previsto — ela queria chegar nas Bahamas, mas foi parar na ilha de Trinidad, no lado oposto do Caribe.
Mas o mais impressionante é que Jennifer fez isso quando já somava 56 anos de idade!
Do ar para o mar com um balão
Até o final dos anos de 1960, muitos já haviam tentando atravessar o Oceano Atlântico voando com um balão. Mas ninguém conseguiu. Foi quando o inglês Colin Mudie resolveu tentar. Só que, sabendo dos riscos da empreitada e da possibilidade de ter que fazer um pouso forçado na água, ele equipou o seu balão com uma gôndola flutuante, que era uma espécie de barco. Assim, se algo desse errado no ar, ele continuaria avançando pelo mar. E foi graças a isso que Mudie se salvou.
Quando havia completado apenas um terço da viagem, seu balão caiu no mar, durante uma tempestade, e ele ficou boiando na sua gôndola flutuante. Levou semanas para chegar à terra firme, em Barbados, no Caribe. Mas, por fim, cruzou o Atlântico — embora navegando, em vez de voando, como ele pretendia.
A propósito: a primeira travessia do Atlântico com um balão só aconteceu em 1978 (menos de 50 anos atrás), com o trio de balonistas Ben Abruzzo, Maxie Anderson e Larry Newman.
Correndo contra o tempo, a remo
Cruzar o Atlântico com um barco a remo é um feito que merece respeito. Que o diga Amyr Klink e quem faz isso correndo contra o tempo, competindo contra outros barcos, para ver quem chega primeiro.
Pois é o que acontece na Atlantic Rowing Race, uma corrida a remo de um lado a outro do Atlântico, que acontece a cada dois anos, entre as Ilhas Canárias e o Caribe.
Ela existe há 20 anos e, apesar de duríssima para os remadores (que podem ser quatro, dois ou apenas um em cada barco, competindo em categorias diferentes), costuma reunir perto de 50 participantes.
O regulamento é bem rígido: nenhum barco pode pesar menos de 750 quilos e todos tem que ter um dessalinizador, capaz de transformar água do mar em potável, a fim de garantir que nenhum remador morra de sede.
A travessia dura entre um mês e meio e dois meses. Dependendo do mar, dos ventos e da força dos braços dos competidores, é claro.
Venceu o oceano com um jet ski, mas não a burocracia
Em fevereiro de 2002, o espanhol Álvaro de Marichalar fez o improvável: atravessou o Oceano Atlântico, da Europa à Miami, com um jet ski. Como ele conseguiu isso? Simples: tendo ao seu lado um barco de apoio, onde dormia, comia, descansava e, principalmente reabastecia de combustível a sua moto aquática. A epopeia durou quatro meses, durante os quais ele pilotou em pé a maior parte do tempo, para amenizar os impactos da moto aquática com as ondas.
Por causa delas, Álvaro caiu no mar algumas vezes. Uma delas, bem no meio de um cardume de tubarões.
Mas chegou inteiro e querendo repetir o feito, o que, aliás, vem fazendo neste exato instante, de maneira ainda mais contundente: ele está tentando dar a volta ao mundo com um jet ski, mas está há 30 meses parado no Panamá, aguardando autorização para cruzar o canal daquele país com sua moto aquática.
“É mais fácil vencer o mar do que a burocracia”, disse recentemente o espanhol, que ainda não desistiu dos seus planos de contornar todo o planeta pilotando um veículo aquático que só costuma ser usado para passeios curtos em praias e represas.
20 dias sendo puxado por um kitesurf
No final de 2021, o kitesurfista português Francisco Lufinha levou apenas 20 dias para atravessar, sozinho, das Ilhas Canárias à Ilha de Martinica, no Caribe, usado um barco atrelado à uma vela móvel, como uma espécie de kitesurf. Ele “velejava” em pé, como se estivesse em uma prancha convencional, mas podia parar para comer e descansar dentro do barco, que era um trimarã especialmente construído para a empreitada. O feito também valeu ao português o recorde mundial de travessia mais longa já feita com um kitesurf: 6.700 quilômetros.
Pedalando no oceano
No início de 2018, quatro jovens ingleses — Paddy Johnson, Hec Turner, Henry Quinlan e Max Mossman — se tornaram os primeiros da história a cruzar o Oceano Atlântico pedalando.
Eles utilizaram um pequeno barco que, em vez de remos ou velas, tinha pedais, que faziam girar pás submersas — como os pedalinhos dos lagos dos parques urbanos.
O quarteto levou 40 dias para atravessar das Ilhas Canárias ao Caribe, numa jornada de quase 5.000 quilômetros de mar, vencidos apenas com a força das pernas.
Mas, mais do que uma simples aventura, a ousadia dos ingleses fez parte de uma campanha para arrecadar doações para uma instituição que cuida de pessoas com deficiências mentais, o que tornou o feito deles ainda mais nobre.
Três vezes com um simples caiaque
O aventureiro polonês Aleksander Doba cruzou o Atlântico remando um caiaque não uma, mas três vezes!
Numa delas, em 2011, veio parar no litoral do Ceará, depois de ter partido do Senegal, na costa africana. Levou apenas 99 dias e entrou para o Livro dos Recordes, como autor da travessia oceânica mais rápida já feita com um caiaque — e isso quando já somava 65 anos de idade!
Quatro anos depois — e outras duas travessias no Atlântico -, foi eleito Aventureiro de Ano, pela revista National Geographic.
Doba morreu quatro anos atrás, ainda com o título de homem com a maior quantidade de travessias a caiaque da história.
Uma prancha e mais nada
O sul-africano Chris Bertish já era um consagrado surfista de ondas gigantes quando decidiu encarar um desafio ainda maior, no mar: cruzar o Atlântico, igualmente sobre uma prancha, mas desta vez uma de stand-up paddle. E sozinho, sem nenhum barco de apoio.
A prancha (que mais parecia um pequeno barco, é verdade) tinha um compartimento fechado, onde ele dormia e se alimentava.
A travessia durou três meses.
Até que, no 93º dia, Bertish chegou à ilha de Antígua, no Caribe, a 7.500 quilômetros de distância do ponto de onde ele tinha partido, as Ilhas Canárias.
No caminho, ele enfrentou ondas quase tão altas quanto as que costumava surfar. Mas, pelo menos isso, Bertish tirou de letra.
Ele atravessou feito um náufrago
Para comprovar sua tese de que era possível sobreviver no mar sem ter água nem comida, o médico francês Alain Bombard decidiu virar uma espécie de náufrago voluntário, e atravessou o Atlântico com um bote inflável, sem nenhum vívere a bordo. E conseguiu, em 1952.
Para sobreviver, ele se alimentou apenas de peixes que conseguiu capturar no mar, e da água da chuva, embora também tenha colocado em prática outra de suas teorias: a de que o ser humano poderia beber minúsculas doses de água salgada por dia sem danos ao organismo, o que sempre foi contestado pela ciência.
Na jornada, Bombard passou o tempo todo rodeado de tubarões e enfrentou até um enorme marlim, que, durante dias, ameaçou furar o bote inflável com seu bico afiado.
Mas, ao cabo de 65 dias, foi dar em Barbados, no Caribe, depois de ter partido das Ilhas Canárias, do outro lado do Atlântico.
Chegou 25 quilos mais magro, mas vivo.
O feito lhe rendeu fama mundial e, anos depois, o tornou um político respeitado na França.
Mesmo assim, Bombard não escapou de suspeitas de fraude no seu experimento, o que, no entanto, jamais foi comprovado. Ele foi acusado de levar água e comida escondidas dentro das câmaras de ar do bote, e de não ter ingerido água do mar, já que não havia ninguém para fiscalizar.
Até hoje, a peculiar jornada de Bombard é considerada a mais radical experiência de sobrevivência no mar já feita pelo homem.
E a mais sofrida forma de atravessar um oceano.
O argentino que venceu o oceano com uma jangada
Em maio de 1984, o advogado argentino Alfredo Barragán pôs em prática um velho sonho: atravessar o Atlântico com uma rústica jangada feita de troncos, e sem nenhum tipo de controle, a fim de comprovar sua tese de que povos africanos poderiam ter chegado às Américas bem antes de Cristóvão Colombo, graças às correntes marítimas que cruzavam da África para o Caribe.
Na companhia de quatro amigos, Barragán partiu das Ilhas Canárias e, 52 dias depois, chegou ao litoral da Venezuela, sem nenhum contratempo.
A expedição, batizada de Atlantis, tinha tudo para dar errado.
Mas não deu. Muito pelo contrário.
E se tornou uma das maiores proezas marítimas da história da Argentina, além de levar alguns historiadores a reverem seus conceitos sobre o povoamento das Américas.
Quanto menor, melhor
Nos anos de 1970, o americano Hugo Vihlen e o inglês Tom McNally protagonizaram uma disputa para ver quem conseguiria cruzar o Oceano Atlântico com o menor barco possível.
E chegaram às raias do absurdo, ao utilizarem barquinhos que mais pareciam caixinhas de fósforo.
Centímetro a centímetro, os dois foram diminuindo o tamanho dos seus micro-veleiros (onde mal cabiam dentro), até chegarem ao ponto de serem proibidos pela Guarda Costeira Americana de irem para o oceano com aqueles barquinhos, que qualquer ser humano mais sensato não usaria nem para atravessar um riacho.
A disputa começou com o primeiro recorde de Vihlen, que, em 1968, atravessou das Ilhas Canárias para os Estados Unidos com um veleirinho de apenas 1m80 de comprimento — menor que ele próprio!
Depois disso, alimentado pela intensa disputa com o inglês, o americano bateu novamente o recorde, em 1993, fazendo uma nova travessia do Atlântico com um barquinho que tinha impressionantes 1m62 de comprimento — menos que um patinete!
Esta marca que persiste até hoje. Mas por um só motivo: o inglês não está mais vivo.
Antes de morrer, McNally vinha construindo outro veleirinho, a fim de bater o recorde de Hugo Vihlen. Ele teria — acredite! — apenas 1m20.
O barco dele era um jipe!
No final da década de 1940, o australiano Ben Carlin fez o que parecia impossível: cruzou o Atlântico dirigindo um automóvel: um jipe anfíbio, comprado como sucata do Exército Americano, ao final da Segunda Guerra Mundial.
Para conseguir isso, ele fez uma série de modificações no veículo, a começar pela complicada questão da autonomia limitada do tanque de combustível.
A solução foi levar um enorme tanque a reboque, feito um comboio náutico.
Apesar de estapafúrdia, a viagem deu certo.
Pouco mais de um mês depois de partir dos Estados Unidos, Ben Carlin e sua esposa — sim, ela foi junto na viagem! — chegaram às Ilhas dos Açores, já do outro lado do oceano, “dirigindo” um automóvel — que tinha até câmbio!
Depois, entusiasmado com o feito, ele decidiu seguir em frente e dar a volta ao mundo, dirigindo (nos trechos terrestres) e navegando (quando não houvesse mais estradas), o que efetivamente fez, completando a jornada em agosto de 1957, quando retornou aos Estados Unidos.
A contabilidade final somou 62.000 quilômetros rodados por terra e perto de 18.000 quilômetros navegados no mar.
Um oceano inteiro dentro de um barril
O francês Jean-Jacques Savin tinha 72 anos quando decidiu realizar a maior proeza de sua vida: a travessia do Oceano Atlântico dentro de uma espécie de barril, que ele mesmo construiu, e totalmente à deriva, sem nenhum meio de propulsão nem controle de direção.
O “barril navegador” do francês não tinha velas, remos, muito menos motor. Era levado apenas pelos ventos e correntezas marítimas para onde o mar quisesse.
As chances daquela travessia dar certo eram mínimas. Mas ele não pensava assim. E foi para o mar.
Quatro meses depois, em abril de 2019 — e após uma sucessão de imprevistos que quase fizeram o francês ir parar no lado errado —, Savin chegou à ilha de Martinica, no Caribe, realizando assim o desejo de navegar feito uma rolha no oceano.
Os carros que viraram balsas
O italiano Giorgio Amoretti já era um aventureiro nato, quando pôs na cabeça que atravessaria o Oceano Atlântico com um automóvel transformado numa espécie de balsa.
Ele preencheria o interior do carro com blocos de espuma, de forma que o veículo flutuasse, e navegaria sobre a capota, dentro de uma barraca de camping.
Claro que seria mais fácil usar um barco de verdade ou construir uma balsa para isso.
Mas Giorgio não gostava de coisas convencionais e ainda convenceu seus três filhos a irem junto naquela viagem.
Então, em vez de um “carro flutuante”, ele montou dois, já que seriam quatro pessoas.
Só que, na última hora, Giorgio descobriu que estava com câncer e teve que desistir da jornada. Mas um de seus filhos, Marco Amoretti, não.
Na companhia de um amigo, Marcolino de Candia, Amoretti partiu com os dois veículos — um Ford Taurus e um Passat, ambos comprados como pura carcaça no ferro-velho — das Ilhas Canárias, em maio de 2000, e 119 dias depois, os dois chegaram à ilha de Martinica, no Caribe, completando uma das mais extraordinárias – para não dizer esquisitas — travessias oceânicas já realizadas.
Ao desembarcar na ilha, Amoretti correu para um telefone, a fim de contar ao pai que havia completado a jornada.
Foi quando ele ficou sabendo que Giorgio havia morrido dias antes, por causa do câncer, sem saber que sua maluquice havia dado certo.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/historias-do-mar/2025/12/05/a-nado-a-remo-e-ate-em-barril-as-15-mais-ousadas-travessias-do-atlantico.htm
