Cultura Brasileira e o Desafio de Conectar com as Novas Gerações

Gente, tá rolando um fenômeno curioso com a cultura brasileira, bem parecido com o que vimos nas novas relações de trabalho. Nas últimas eleições municipais, ficou claro que o campo progressista, ou a ‘esquerda’, não consegue se conectar com o empreendedorismo popular.

Sectarismo Deslumbrado

Na cultura, além das amarras ideológicas tradicionais, isso acontece por causa do que eu chamo de ‘sectarismo deslumbrado’. Esse termo descreve um mundo paralelo, totalmente desconectado da realidade nacional, do gosto cultural da população e, principalmente, das novas gerações.

Nesse universo, grupos e coletivos alinhados com bases partidárias, geralmente com tendências ultrapassadas, se julgam os únicos defensores da verdadeira cultura popular. Eles acham que podem determinar o que é ou não cultura e tratam com naturalidade um dirigismo cultural absurdo, que não reflete a diversidade cultural brasileira.

Áudios Vazados e Polêmicas

Infelizmente, esse sectarismo deslumbrado ficou evidente nos áudios vazados de uma dirigente partidária. Ela sugeriu que o Comitê de Cultura do Amazonas deveria privilegiar ‘artistas parceiros combinados na política’ e que o Ministério da Cultura teria autorizado que a Política Nacional de Comitês de Cultura ajudasse nas campanhas eleitorais dos aliados de 2024. Esses áudios foram publicados ontem no Estadão.

Os comitês de cultura foram criados pelo ministério em cada estado para, segundo o site do MinC, ‘desenvolver atividades de mobilização social, formação em direitos e política cultural, apoio à elaboração de projetos e parcerias, comunicação social e difusão de informações sobre políticas culturais nos territórios’.

Aparentemente, são espaços totalmente aparelhados politicamente e anacrônicos, mantendo uma tradição antiga da esquerda de um assembleismo presencial que ignora qualquer uso da tecnologia ou estratégias de ampliação de capilaridade, para não envolver setores e segmentos diferentes.

Conferência Nacional de Cultura

Esse mesmo formato pôde ser visto na própria Conferência Nacional de Cultura de 2024. O evento, que deveria ser um espaço de debate e proposição de diretrizes para políticas públicas de cultura, não buscou ampliar o público. Anunciou com pompa e circunstância a criação desses comitês de cultura como uma medida importante para a descentralização da cultura prometida.

Nenhum representante do mercado cultural foi convidado. O evento não tinha wi-fi, app, estratégia de construção de consensos, e as votações foram feitas pelo bom e velho levantamento da credencial do ‘delegado’, que para chegar lá teve que passar por conferências municipais e estaduais, todas construídas sob esse mesmo modelo.

Como numa transe coletiva, o público da conferência pareceu querer viajar no túnel do tempo, para uma época em que um assunto tão importante e que impacta tanta gente poderia ser decidido por ‘delegados’ levantando credencial em um processo que ninguém de fora da bolha ficou sabendo que estava acontecendo.

Necessidade de Atualização

Isso mostra a urgente necessidade de atualizar as instâncias de governança da política cultural brasileira.

A triste verdade é que, do ponto de vista da política cultural, não estamos mais falando com as novas gerações. Há um claro distanciamento de movimentos culturais importantes, inclusive das periferias das grandes cidades, das bases progressistas que antes tinham esses movimentos em suas fileiras. Exatamente como aconteceu com o empreendedorismo.

Quando percebemos que o pensamento de quem comanda a cultura no Brasil é do tamanho de um comitê de cultura zero representativo no seu território, repleto de membros indicados meramente por afinidade ideológica, e que ainda existe a intenção de apoiar candidaturas a vereadores nas cidades brasileiras com essas estruturas, vemos o tamanho do descompasso, da desconexão, do atraso.

Fico curioso para saber o desempenho eleitoral desses candidatos supostamente apoiados, porque, como já foi dito, trata-se de um mundo paralelo, que não tem força e representatividade para eleger ninguém, nem com a máquina pública na mão.

Dá uma olhada aqui também

Você pode gostar