Gente, vamos falar de um assunto que mistura fé, história e um toque de mistério: o Santo Graal! Esse cálice, que dizem ser o mesmo que Jesus usou na Última Ceia, é uma das relíquias mais icônicas e disputadas entre católicos, ortodoxos e outras vertentes cristãs. E não é só no mundo religioso, viu? O Graal também reina no imaginário popular!
Mas, claro, com tanta fama, vem também a controvérsia. Só na Europa, cerca de 200 taças reivindicam o título de Santo Graal, segundo a CNN americana. Fiéis e turistas se dividem entre curiosidade e veneração para conhecer essas peças. Mas, afinal, qual delas é a verdadeira?
De Jerusalém para a Espanha
Os Evangelhos de Mateus e Lucas contam que Jesus pediu aos discípulos que preparassem a ceia de Páscoa na casa de um fiel em Jerusalém. “Jesus certamente usou um cálice na Última Ceia, mas se você olhar os relatos dos Evangelhos, a sala já estava preparada por alguém antes que eles chegassem. Então pode não ter sido um cálice [que já era] dele”, ponderou Joanne Pierce, professora de estudos religiosos do College of the Holy Cross, à CNN americana.
Como a ceia não foi na casa de Jesus ou de um apóstolo, fica difícil saber o que aconteceu com os utensílios depois da prisão e crucificação de Cristo. “Eu honestamente não acho que o verdadeiro cálice da Última Ceia ainda exista”, opina a professora, que é católica.
Já Margarita Torres Sevilla, professora de História medieval da Universidade de León, na Espanha, acredita ter encontrado o Graal em sua cidade depois de dois mil anos. Conhecido como “o Cálice de Dona Urraca”, a peça está envolvida em uma caixa de ouro com pedras preciosas e foi encontrada na Basílica de San Isidoro, onde estão enterrados membros das dinastias reais de Leão e Castela.
Em 2010, ao inspecionar o museu de História medieval da basílica, Margarita e seu colega, José Miguel Ortega del Rio, perceberam um padrão. “Alguns dos objetos vieram de países islâmicos, mas não possuíam as referências corretas”, contou à emissora americana. O cálice teria saído do Egito na Idade Média como um presente diplomático.
Os estudiosos pediram a um colega no Cairo que buscasse documentos que explicassem o motivo do presente às coroas espanholas. A biblioteca da Universidade Al-Azhar, no Cairo, possuía dois relatos do século 14 que narravam como séculos antes um barco cheio de mantimentos saiu de Dénia para o Egito.
“Na metade do século 11, houve uma grande fome no Egito e o califa pediu ajuda de outros países islâmicos”, explicou Margarita. Na época, Dénia era governada por muçulmanos, e seu líder pediu aos egípcios “a taça que os cristãos chamam de Cálice do Messias… usado durante celebração com seus discípulos”.
Segundo os documentos encontrados no Cairo, o cálice teria sido encontrado em uma igreja na periferia de Jerusalém e possuía “poderes medicinais extraordinários”. Mas o documento também afirma que “homens da ciência e da doutrina o desconsideram”.
Ali bnu Muyahid ad-Danii, governante de Dénia, pediu que o cálice fosse enviado ao rei de Leão para fortalecer a aliança diplomática. No ano anterior, Leão tinha atacado Valência, o que poderia se tornar uma ameaça para Dénia. Como o rei Fernando 1º de Leão sofria da “doença das pedras”, o cálice milagroso poderia ajudá-lo.
Para conferir a autenticidade do relato, os historiadores espanhóis voltaram ao cálice na Espanha. “Nós checamos — tinha um corte nele, como o documento sugeriu. Sabíamos que tínhamos uma batata quente nas mãos”, contou Margarita. Feita em ônix, a taça parece um artefato da época de Jesus porque a princesa Dona Urraca, filha do rei Fernando, teria derretido todas as suas joias para cobrir o cálice em pedras preciosas e ouro.
Margarita não garante que a peça é o Graal de Jesus. “Eu posso dizer que o cálice venerado em Jerusalém do século quatro ao século 11 é o mesmo de Urraca. Mas não tenho certeza sobre o que aconteceu do primeiro ao quarto século porque eu não estava em Jerusalém, não estava com Jesus Cristo, e nem você”, rebateu à CNN americana.
O problema? Só na Espanha, existe outro forte candidato ao título de Santo Graal, o Cálice de Valência. A tradição revela que é a mesma taça usada por Jesus na Última Ceia para a instituição da Eucaristia, diz o site da catedral, onde há uma capela dedicada apenas a guardar a suposta relíquia. Segundo a narrativa de Valência, São Pedro levou o cálice à Roma e de lá ele foi mandado à Espanha no século 3.
As autoridades turísticas de Valência também reivindicam a tutela sobre o tesouro cristão, embora haja candidatos famosos ainda na Polônia, na Itália e no Reino Unido.
Em busca do Cálice Sagrado
Para a americana Pierce, a ideia do Santo Graal é mais simbólica que realista. “Uma realidade cultural em vez de realidade religiosa”, explica, calcada em uma busca idílica e heroica pela relíquia que começou ainda no início da era cristã.
Para entender como um objeto passou a ser valorizado, é preciso olhar para o martírio dos primeiros cristãos, quando outros fiéis passaram a rezar em suas tumbas.
“O mártir poderia agir como um patrono ou intercessor para que suas orações chegassem aos céus”, explicou Joanne Pierce à CNN. Este costume veio da Roma Antiga, em que o “sistema de patronagem era uma parte importante da sociedade”. A ideia é que os santos, em sua vida eterna, reforçam as orações pelo fiel, assim como amigos, familiares sacerdotes ou até desconhecidos na Terra.
Este costume evoluiu e ir aos túmulos pedir as orações dos mártires não era mais a única prática dos fiéis. “Objetos que eles teriam tocado eram considerados ter a mesma graça — uma conexão com o sagrado”, diz a professora. Por isso, a busca pela relíquia com a mais forte conexão com Jesus, o cálice em que ele faz alusão ao seu sangue que seria derramado em sacrifício pelos homens, se tornou a maior e mais desejada das empreitadas.
Durante as Cruzadas, na Idade Média, fiéis dos mais ricos aos mais pobres passaram a peregrinar entre a Europa e a Terra Santa procurando por artefatos relacionados à vida de Jesus na Terra. A maioria dos supostos Cálices Sagrados chegaram ao continente nesta época, e todos possuem mitologia própria que o liga à jornada de Cristo.
Logo, a busca deixou de ser exclusivamente religiosa — havia também o interesse dos comerciantes locais em lucrar com “lembrancinhas” de um primitivo turismo, além do fator político, em que trazer um suposto item raro para os cristãos de Jerusalém justificava a missão de “libertar a Terra Santa”. E com tanta importância investida nos périplos, não à toa, a “caçada pelo Graal” se tornou “pop”.
As poesias e prosas que exaltavam o modo de vida dos cavaleiros, do período, logo passaram a associar a busca pelo Santo Graal com o lendário rei Artur. Um poema francês do século nono descreve, por exemplo, que José de Arimateia usou o cálice para recolher o sangue de Cristo durante a crucificação — e o levou para Glastonbury, hoje na Inglaterra.
No século 12, o poema “Perceval ou o Romance do Graal” de Chrétien de Troyes retrata o rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda em uma busca pelo Graal — uma lança ou um prato, em momentos diferentes da história, com poderes de curar.
No século 15, é a vez de Galahad, filho do cavaleiro Lancelote da lenda do rei Artur, a ser retratado buscando o Graal. Ele o encontraria, teria uma visão divina e escolheria morrer. Sua trama, que em muito se inspira em Jesus, o mostra capaz de curar os doentes e realizar milagres.
Mais recentemente, o Graal foi parar na comédia “Monty Python em busca do Cálice Sagrado”, no livro “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, no filme “Indiana Jones e a Última Cruzada” e inspirou outras buscas heroicas — de Harry Potter a “O Senhor dos Anéis”.
Para quem tem fé na relíquia, no entanto, a procura por ele parece distante de acabar.