Gente, parece que todo mundo ao meu redor está de dieta. Ou não pode ingerir lactose. Ou parou de comer glúten. Ou precisa comer menos por causa dos efeitos colaterais de remédios como o Ozempic. Onde foram parar as pessoas que comem de verdade, sem se preocupar com nutrientes ou calorias em tudo que ingerem? (Ou que simplesmente não precisam se preocupar, já que nem sempre é uma escolha).
O Novo Cenário
Sair para comer ficou mais caro, e a preocupação com a saúde aumentou, levando até a uma desaceleração no consumo de álcool. Vivemos a era da “moderação mainstream”, como disse o Financial Times, com uma forte mudança em direção à temperança, especialmente entre os jovens.
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos pela OnePoll revelou que a necessidade dessa moderação bate à porta das pessoas aos 29 anos, quando os jovens adultos começam a repensar suas escolhas e excessos. O estudo reuniu 2.000 bebedores de vinho, com mais de 21 anos, e mostrou que 86% concordam que seu consumo de álcool deve ser moderado. Além disso, 43% dessas pessoas debatem constantemente a ideia de fazer lanchinhos fora de hora e 29% delas têm tentado reduzir a ingestão de álcool.
Contagem de Calorias e Nutricionismo
Há um foco crescente na nossa sociedade sobre a contagem de calorias, o monitoramento de indicadores de saúde e a restrição alimentar. A comida é cada vez menos percebida como prazer hedonista e mais como um mero instrumento do nutricionismo, tendo seu papel reduzido à sua função prática.
É uma mudança de paradigma sem precedentes. No decorrer dos séculos, a comida foi uma representação de status, felicidade e, mais do que tudo, de uma busca plena de prazer. Ateneu de Náucratis descreve, em O Banquete dos Eruditos (publicado no século 2 d.C.), a opulência da cidade da Magna Grécia de Síbaris e seus hábitos alimentares refinados. Festas extravagantes, uso de ingredientes exóticos como especiarias e produtos raros importados de outras partes do mundo grego, e uma preocupação genuína com o prazer sensorial eram marcas dos moradores da cidade, chamados de sibaritas.
Eles valorizavam a experiência completa da refeição, incluindo a apresentação dos pratos, o ambiente e a combinação de sabores e aromas. O termo “sibarita” passou a designar pessoas que privilegiam o prazer, especialmente no que diz respeito à boa comida. Algo que a “geração Ozempic” parece ignorar: o aumento no uso desses medicamentos está reduzindo a obesidade, mas também alterando os hábitos alimentares.
Impacto nos Restaurantes
Os usuários desses remédios comem porções menores, afetando o faturamento dos restaurantes. Donos e garçons afirmam que os clientes já pedem menos pratos e deixam a maior parte da comida praticamente intocada. Isso também modificou os pedidos à mesa, onde as proteínas se sobressaem, acompanhadas de vegetais, carne, ovos e laticínios.
Venda de Medicamentos
De acordo com dados da consultoria Morgan Stanley, as vendas globais de medicamentos para perda de peso devem atingir US$ 105 bilhões até 2030. Se relacionarmos esses números ao fato de que 63% dos usuários desses medicamentos relataram gastar menos em refeições fora de casa, temos um cenário preocupante para a indústria gastronômica. E as projeções são mesmo ambiciosas: mais de 15 novas drogas com os mesmos princípios já estão em desenvolvimento para serem lançadas no mercado até 2029.
Com a expiração da patente da semaglutida em 2026, o mercado poderá passar por uma transformação inédita: a entrada de genéricos deve tornar esses medicamentos mais acessíveis e populares, o que deve transformar ainda mais nossa relação com o que comemos. No futuro, talvez, o prazer de comer esteja definitivamente ameaçado. Os sibaritas fizeram da comida um símbolo de prazer e status. Séculos depois, estamos a transformá-la em mero cálculo vazio de macros e calorias.