A Polêmica das ‘Proteínas’ no Cardápio: Um Desabafo sobre a Cultura Alimentar

Semana passada, durante um voo, a aeromoça me ofereceu um lanche com duas opções: “sanduíche de proteína ou vegetariano”. Fiquei chocada. Até no ar, tenho que ouvir esse vício de chamar carnes de “proteína”? Me segurei para não responder atravessado, algo como: “Você está me dizendo que presunto e peixe são a mesma coisa? E que esse sanduíche vegetariano, que tem queijo e ovos, não contém proteína?”

Proteínas em Todo Lugar

Na verdade, ambas as opções tinham proteína. E proteína animal. Mesmo que fosse um sanduíche vegano, poderia ter proteína também, como homus, feito de grão de bico, ou folhas como couve e espinafre.

O triste é que esse vício de chamar todos os tipos de carne de “proteína” está sendo popularizado não pelas companhias aéreas, mas pelos chefs de cozinha.

Chefs e o Novo Vocabulário

Cansei de ouvir chefs, alguns muito bons, dizendo coisas como “aqui no restaurante preparamos a proteína sempre na brasa” ou “no nosso cardápio, a proteína é sempre frutos do mar”. Sem falar dos menus onde o termo aparece como se fosse uma seção, no lugar do clássico “carnes, aves, pescados”.

Por Que Isso Me Incomoda?

Para começar, porque a comida não é apenas um componente nutricional: ela vai além. Uma cenoura, na natureza, é uma hortaliça enfiada debaixo da terra. No mundo animal, pode ser desenterrada e comida por várias espécies, tornando-se alimento para elas.

Mas entre os humanos, ela é a base de um processo cultural, que começa quando decidimos comer cenoura e não batata, por exemplo. E se amplifica quando a preparamos, seja com sal ou em receitas mais elaboradas. A comida nos alimenta, mas também nos proporciona prazer estético, evoca hábitos de diferentes países e nos remete a lembranças.

O mesmo vale para todos os alimentos. Então imagine a chatice e a vulgaridade de um menu dividido em “proteína” (no lugar de carnes), “carboidratos” (no lugar de massas e risotos), “fibras” (no lugar de saladas) ou sei lá mais o quê.

Em um spa médico ou hospital, até entenderia, mas mesmo assim odiaria: mesmo doentes, somos humanos. E a mesa nos diferencia e nos define.

Ignorância Alimentar

Outro motivo que me irrita é a ignorância: como disse, existe proteína em muitos alimentos da natureza. É burrice supor que num cardápio elas estarão somente no capítulo das carnes.

Neste cardápio, onde estariam as omeletes? Um suflê de queijo? Ovos e laticínios não são carnes, mas têm proteína. E os vegetais com proteína (nozes, lentilhas, brócolis e mais centenas), onde ficam no menu?

Insinuando que proteína só está nas carnes, um restaurante propaga desinformação sobre aquilo que deveria ser seu forte: a comida.

Cardápios Modernos

Sei que existem restaurantes modernos que preferem cardápios diferentes. Chamam, por exemplo, o prato apenas pelos ingredientes: “atum / açafrão / ervilha”. E a gente que adivinhe como será isso, ou se prepare para uma longa explicação do garçom.

Não é meu jeito preferido, mas pelo menos não engana ninguém. Nem transforma o cardápio numa árida divisão de componentes fisiológicos desumanizados.

PS: Um Alerta

Comentando essa minha discordância com a forma como os chefs chamam as carnes, alguém me contou que a personagem Odete Roitman, na novela, também esbravejou contra a mania de chamar tudo de carboidratos, proteínas e tal. Se foi isso mesmo, pelo menos nesse ponto a vilã tem meu total apoio.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/josimar-melo/2025/11/12/chamar-carne-de-proteina-num-menu-desumaniza-o-alimento-e-e-uma-burrice.htm

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