Gente, vocês sabiam que há cerca de um século, cozinhar era um verdadeiro perrengue? Isso até uma arquiteta vienense ter uma ideia super inovadora que mudou tudo e ainda é relevante hoje em dia. Vamos falar sobre a ‘cozinha de Frankfurt’!
Se soubesse que iria falar sobre essa maldita cozinha pelo resto da minha vida, nunca a teria projetado,
disse a arquiteta austríaca Margarete Schütte-Lihotzky, então com cem anos, em uma entrevista de 1998.
Mas essa ‘maldita cozinha’ entrou para a história e transformou a vida de muitas donas de casa. E, um século depois, Schütte-Lihotzky é lembrada não só por essa invenção, mas também pelo seu ativismo no movimento feminista e na resistência contra o nazismo.
O objetivo da arquiteta, que faleceu em 2000 aos 103 anos, era melhorar a vida das pessoas através de moradias sociais funcionais. Sua criação mais famosa foi a cozinha de Frankfurt, considerada o protótipo da cozinha embutida moderna.
Para entender o impacto dessa invenção, precisamos voltar ao final do século 19, quando a Revolução Industrial estava mudando tudo. A população crescia rápido, e muitos se mudavam do campo para a cidade para trabalhar nas novas fábricas. Mas as condições de vida nas cidades eram péssimas, com muita falta de higiene, doenças e pobreza.
Margarete Schütte-Lihotzky, ainda jovem, tinha um olhar especial para a vida da classe trabalhadora. Em 1917, ela fez uma pesquisa para um concurso de arquitetura que premiaria o melhor projeto para um complexo habitacional popular, e visitou cortiços lotados para entender o que os moradores realmente precisavam.
Consciência Social
Naquela época, a arquitetura estava mudando, se afastando do estilo decorativo e indo em direção à Nova Objetividade, um movimento que surgiu na Alemanha na década de 20, onde a forma seguia a função. A funcionalidade era o mais importante, e Schütte-Lihotzky seguiu essa ideia em seus projetos.
Para ela, a arquitetura devia estar ligada à vida real e aos problemas sociais. Isso tinha muito a ver com sua origem. Nascida em 1897 em Viena, numa família burguesa e intelectual, sua infância foi marcada pela arte, cultura e política. Sua mãe tinha contatos na cena cultural vienense e com grupos feministas e pacifistas.
Desde jovem, Schütte-Lihotzky se interessava por política e tinha consciência de que muitos não estavam tão bem de vida quanto ela. Isso moldou sua compreensão de arte, design e arquitetura, e contribuiu para sua vitória no concurso para o qual ela visitou bairros pobres em Viena.
A Famosa Cozinha
Diferente da Bauhaus, que se concentrava na funcionalidade e no design, Schütte-Lihotzky focou apenas na função. Isso facilitou e barateou a produção de suas criações, tanto de conjuntos habitacionais quanto de móveis.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa devastada precisava urgentemente de moradias baratas. Novos conjuntos habitacionais para a classe trabalhadora e para quem perdeu suas casas na guerra estavam sendo construídos em todos os lugares.
Em Frankfurt, Ernst May, chefe do departamento de construção, apresentou o programa ‘Nova Frankfurt’ para acabar com o déficit habitacional da cidade em dez anos. Ele chamou Schütte-Lihotzky para projetar uma cozinha adequada para o projeto. Essa cozinha deveria otimizar o espaço limitado dos apartamentos e melhorar o cotidiano dos moradores.
Para projetar a cozinha em 1926, Schütte-Lihotzky fez várias pesquisas e cálculos, incluindo o número de passos que uma dona de casa precisava dar, como ela se movimentava, onde ficavam os objetos necessários e como cuidar das crianças enquanto trabalhava na cozinha.
O resultado foi um cômodo de cerca de 3,5 metros de comprimento por 2 metros de largura, com portas de correr de vidro que permitiam a visão para a sala de estar e uma grande janela ao fundo. Nesse espaço, caberia a cozinha projetada por Schütte-Lihotzky.
Os módulos individuais deveriam ser construídos industrialmente em larga escala: armários do chão ao teto, uma bancada, uma pia com escorredor, gavetas para o lixo e recipientes de alumínio para guardar os principais ingredientes.
Uma campanha de propaganda foi lançada para afastar o ceticismo inicial em relação ao novo modelo de cozinha. O próprio May divulgava a invenção de Schütte-Lihotzky como ‘construída por uma mulher, para as mulheres’.
Transformação no Trabalho Doméstico
A cozinha de Frankfurt transformou o trabalho doméstico. Ou melhor, o trabalho das mulheres – e, com o crescente feminismo na época, também atraiu críticas, alegando que a eficiência da nova invenção apenas prendia ainda mais as mulheres ao fogão.
Schütte-Lihotzky nunca se conformou com essas objeções, pois seu objetivo era trazer alívio às mulheres. Apesar das críticas, a cozinha de Frankfurt foi um sucesso. Pedidos chegaram de todo o mundo. Somente na França, 260 mil foram encomendadas.
Mesmo com o reconhecimento internacional, Schütte-Lihotzky se sentia incompreendida, pois seu maior interesse era melhorar a vida da classe trabalhadora. Isso quase a levou à desgraça na era nazista. Depois da anexação da Áustria pela Alemanha, ela, como comunista, lutou na clandestinidade, foi presa e escapou por pouco de ser executada.
Após a Segunda Guerra Mundial, Schütte-Lihotzky se engajou nos movimentos pacifista e feminista. Fez palestras, projetou moradias e jardins de infância na Alemanha Ocidental, na Rússia, em Cuba e na República Democrática Alemã (RDA), dando coragem e confiança a jovens arquitetas.
No entanto, seu legado mais famoso é até hoje a cozinha de Frankfurt. A ideia do espaço da cozinha multifuncional ainda é a mesma – agora com geladeiras e fogões que podem ser controlados por um aplicativo. Os estilos são os mais variados, mas o princípio por trás de toda cozinha moderna remete à ideia de Schütte-Lihotzky: tirar o máximo proveito do espaço com o mínimo de esforço.
Com a cozinha de Frankfurt, Schütte-Lihotzky criou a origem de todas as cozinhas embutidas.