A Verdade Não Contada Sobre Ser um Crítico Gastronômico

“Você tem a melhor profissão do mundo”, é o que sempre ouço quando digo que sou jornalista gastronômico. Viajo muito, provo comidas incríveis e depois escrevo sobre as histórias que encontro à mesa. Parece um sonho, né?

Nem Tudo São Flores

Mas, como qualquer trabalho, ser crítico gastronômico também tem seus desafios. Sim, eu como muito e sempre, mas isso também significa lidar com alguns perrengues. É um lado da profissão que poucos conhecem.

Recentemente, o crítico de vinhos do Observer, um dos maiores jornais ingleses, escreveu sobre isso. David Williams comparou a degustação profissional de vinhos a uma rotina quase clínica: centenas de amostras, cuspidores, luz branca e muita concentração.

“O cuspidor é nosso capacete, nosso cinto de segurança. Sem ele, estaríamos mortos — ou, no mínimo, bêbados o tempo todo”, relata Williams. Ele descreve a exaustão e tensão após longos dias de prova, onde o fígado sofre mesmo cuspindo o vinho.

Os Efeitos Colaterais

Williams também fala sobre os taninos que corroem o esmalte dos dentes. Ele já perdeu quatro molares por ser um “provador profissional”. Além disso, há casos frequentes de alcoolismo e comportamentos autodestrutivos entre críticos de vinho. É um ciclo de fascínio e dependência.

“Como muita gente que cresceu nos anos 1990, já houve épocas em que eu bebia demais. E, tecnicamente, como vivo ultrapassando o limite recomendado pelo governo, ainda é um consumo excessivo”, diz ele, refletindo sobre os efeitos disso em sua vida.

Desafios na Gastronomia

Para quem come, o desafio físico também é constante. Não dá para cuspir a comida, então temos que mastigar, sentir a textura, os sabores e engolir. Pete Wells, ex-crítico de restaurantes do The New York Times, recebeu um diagnóstico alarmante em 2024: colesterol e glicemia altos, hipertensão, risco de pré-diabetes e fígado gorduroso.

Ele pediu ao jornal para deixar de ser crítico, embora continue como jornalista. Em sua carta de despedida, refletiu sobre o custo físico e psicológico do ofício. “A vida de crítico gastronômico, vista de fora como um luxo, esconde uma rotina de excessos, de alguma culpa e adoecimento”, escreveu.

O Preço da Profissão

Adam Platt, outro crítico gastronômico em Nova York, descreveu o trabalho como “provavelmente o menos saudável da América”. Ele tem médicos tratando de gota, hipertensão, colesterol alto e diabetes tipo 2.

Quando Wells deixou a rotina de provar quase todo o menu, sentiu que podia comer apenas o que queria. Dormia a noite inteira e caminhava longas distâncias. “Em algum momento, percebi que eu não sou o meu trabalho”, refletiu.

Equilibrando Prazer e Saúde

Para mim, descobrir que estava com hipertensão foi um alerta. Passei a ter uma rotina de exercícios, cuidar melhor da alimentação e prestar mais atenção aos sinais do corpo. Como jornalista gastronômico, comecei a ponderar mais as refeições fora, pedir porções menores e provar pratos sem finalizá-los.

As garrafas de vinho que recebo de presente se amontoam no bar da sala e muitas vezes viram presentes para amigos. Percebi que, para continuar tendo “o melhor trabalho do mundo”, não posso deixar que prejudique minha saúde.

Estou com os exames em dia, reconquistei alguns músculos e tenho ainda mais prazer em sair para comer. Afinal, é possível equilibrar prazer e saúde, mesmo na profissão de crítico gastronômico.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/11/06/figado-sofrido-e-queda-de-dentes-o-lado-nada-romantico-da-critica-de-vinho.htm

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