Você já se deparou com um produto que parecia ser chocolate, mas não era? Pois é, isso está acontecendo cada vez mais. Na embalagem, estava escrito ‘Tablete sabor chocolate’, mas um detalhe em letras minúsculas deixava claro: não se tratava de chocolate de verdade.
O Que é Chocolate?
Segundo a Anvisa, chocolate é um produto feito com derivados de cacau, como massa, pó ou manteiga de cacau, e deve conter no mínimo 25% de sólidos totais de cacau. Isso define o que é realmente chocolate. Mas aquele tablete era apenas um produto ‘sabor chocolate com crocante’.
O termo ‘sabor’ indica que é algo que se assemelha ao original, mas não é. É como ‘tipo’ ou ‘alimento composto’, cada vez mais presentes nas embalagens dos supermercados.
Outros Produtos ‘Fake’
O leite condensado também passou por isso. A Nestlé lançou uma versão do seu Leite Moça chamada ‘Moça Pra Toda a Família’, que é uma mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido.
O mesmo aconteceu com creme de leite, sorvete e até café. As empresas dizem que são alternativas mais baratas, tornando os produtos ‘mais democráticos’. Mas, na prática, vendem versões empobrecidas dos alimentos originais.
Impacto nas Redes Sociais
Nas redes sociais, vídeos viralizam ironizando esses substitutos nas prateleiras. Para a indústria, é uma resposta ao aumento dos preços dos alimentos em meio à inflação e à queda do poder de compra dos consumidores. Mas o impacto é mais profundo.
Esses produtos ampliam a distância entre o paladar e a nutrição real, criando memórias gustativas desvinculadas da comida de verdade. Crianças podem acreditar que o sabor do morango é o do potinho de iogurte artificial.
A Crise Alimentar
Em seu livro The Dorito Effect, Mark Schatzker argumenta que a crise alimentar vai além do excesso de calorias ou alimentos ultraprocessados. O problema está na desconexão entre sabor e nutrição. Ao longo da evolução, o gosto funcionava como um guia: frutas doces indicavam energia; sabores amargos alertavam para toxinas.
Mas hoje, essa bússola biológica foi hackeada pela indústria alimentícia. Aromas e sabores artificiais transformam alimentos pobres em nutrientes em produtos irresistíveis, enganando nossos sentidos e alterando nossa relação com a comida.
O Efeito Doritos
O exemplo dos Doritos ilustra isso. Originalmente, eram apenas crocantes e salgados. Nos anos 1960, passaram a receber aromas artificiais de queijo e especiarias, tornando-se viciantes.
Schatzker cunhou o termo ‘Efeito Doritos’ para descrever essa engenharia de hiperpalatabilidade, onde sabores intensos são adicionados a ingredientes baratos como amido, açúcares e óleos, criando um desejo por alimentos sem valor nutricional real.
Comida ‘Fake’
O problema maior ocorre quando esses alimentos induzem a compras equivocadas ou ludibriam o consumidor, com embalagens feitas para mitificar aquilo que nossa memória reconhece.
Ou, em casos mais graves, quando representam danos à saúde. É o caso polêmico do ‘fake café’, que virou discussão recentemente.
No mês passado, a Anvisa determinou o recolhimento de marcas que vendiam ‘pó sabor café’ para o preparo de algo semelhante ao nosso ‘cafezinho’.
Mais do que enganar o consumidor, os produtos continham substâncias impróprias para o consumo humano, com ocratoxina A, uma micotoxina produzida por fungos.
Os cafés fake ainda traziam impurezas, denominadas incorretamente no rótulo como polpa de café e café torrado e moído, que na verdade eram cascas e resíduos de café e continham contaminação.
Vivemos numa era em que boa parte do que comemos não é comida de verdade, mas simulacros aromatizados e ultraprocessados.
Esse mercado de substitutos, que cresce amparado por preços mais baixos, deve se expandir ainda mais.
Para a indústria, significa novas possibilidades de lucro. Para o consumidor, representa um desafio: distinguir o que é comida de verdade do que não passa de sabor.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/rafael-tonon/2025/07/03/em-tempos-de-cafe-fake-imitacoes-miram-lucro-e-matam-comida-de-verdade.htm