Gente, olha só! Alberto Grandi é aquele tipo de pessoa que não tem medo de causar polêmica — e de atrair haters com isso.
Nascido em Mântua, pertinho de Verona, na Itália, ele cresceu sabendo que comida é um assunto sagrado por lá.
Na sua região, o prato típico é o tortelli (quase sempre recheado de abóbora) e o risotto é servido enformado, ‘alla Pilota’, com arroz misturado com linguiça e/ou costelinha de porco.
Mas Grandi sabe que tradições, especialmente na mesa, são construções sociais. E por trás das histórias que as nonas contam, existem verdades incômodas que nem todos querem saber. Mas ele quer!
Alvo de haters
Professor de história da alimentação na Universidade de Parma, Grandi começou a buscar evidências sobre os maiores mitos da cozinha italiana.
E ele encontrou fatos que desbancam muitas crenças passadas de geração em geração, mantendo uma aura imaculada de uma gastronomia famosa mundialmente por seu apego à tradição.
Entre suas afirmações, Grandi diz que o ‘italianíssimo’ espaguete à carbonara foi, na verdade, inventado pelas tropas americanas na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.
Para ele, a história da receita encapsula perfeitamente a ideia dos historiadores Eric Hobsbawm e Terence Ranger sobre a ‘invenção da tradição’ — onde o legado como ideia de nacionalismo e ‘prova’ de uma antiga superioridade é uma construção.
Muitos pratos italianos seguem essa premissa. É preciso aceitar que nem tudo o que se come na Itália tem um embasamento histórico secular. Muito pelo contrário.
Grandi lançou um livro — que acaba de chegar ao Brasil pela editora Todavia, com o nome de As Mentiras da Nonna — onde desmascara os mitos em torno da comida italiana, tornando-se uma ‘persona non grata’ em seu próprio país.
Entre os ataques mais fortes que recebeu, um veio de Matteo Salvini, ex-vice-primeiro-ministro italiano e líder do partido de extrema direita, que defende a comida como símbolo da identidade nacional italiana.
Salvini afirmou que ‘especialistas e jornais estão com inveja de nossos gostos e beleza’, referindo-se a Grandi. Da direita à esquerda, ele passou a ser criticado em entrevistas e redes sociais. ‘Eles me odeiam aqui’, disse o professor em uma entrevista ao Financial Times.
Não é para menos. As declarações do acadêmico em jornais internacionais e podcasts são uma artilharia pesada contra as tradições: ‘a culinária italiana é realmente mais americana do que italiana’, ele chegou a dizer, e que o parmesão feito em Wisconsin é ‘uma correspondência exata da receita original’.
E não para por aí: ele defende que ‘clássicos’ italianos, como o panettone e tiramisu, como conhecemos, são invenções relativamente recentes. No caso do panettone, ele afirma que originalmente era um pão fino, duro e achatado, recheado com um punhado de passas.
‘Só era comido pelos pobres e não tinha ligação com o Natal’, disse o autor, em uma declaração que irritou o poderoso setor de alimentos e bebidas da Itália, que representa uma parte significativa do PIB do país.
Sobrou para a pizza
Mas sua maior granada foi lançada em direção à pizza, que, segundo ele, era uma comida ‘ignorada e sem valor’, encontrada apenas em algumas cidades do sul da Itália antes da Segunda Guerra Mundial.
Grandi argumenta que a pizzaria é uma invenção de Nova York, já que o primeiro restaurante que servia apenas pizza foi aberto na cidade em 1911 — e que depois os italianos (e o mundo todo) apenas copiaram o modelo.
No prefácio escrito por Grandi para a edição brasileira, ele também afirma que ‘sem a mítica pizza de São Paulo, a pizza de Nápoles não seria tão famosa’.
Os imigrantes, segundo ele, criaram muitas receitas italianas e disseminaram uma ideia de tradição que não tinha raízes nem no país de onde vieram, ajudando a perpetuar uma imagem de classicismo e tradição que não é de fato real.
De capítulos que abordam a juventude de uma gastronomia veramente italiana, afirmando que ‘a cozinha italiana não tem nem cinquenta anos’ a uma espécie de ode à controversa Nutella, ele mantém a chama sempre em fogo alto para servir polêmicas.
Mas o faz com perspicácia, uma base séria de estudos e uma boa pitada de humor para mostrar que nem tudo é o que parece quando falamos de comida — nem mesmo daquela que provém de um dos mais famosos países do mundo para comer.
Basta um pouco de boas histórias, um pouco de propaganda e assim uma tradição culinária pode ser criada. Graças a Grandi, podemos visitar a cozinha e ver que nem tudo é o que parece. E que há muitas receitas que podem deixar um gosto amargo de marketing na boca.