Gente, olha só o bafafá que a chef Helena Rizzo causou! Em um post no Instagram, ela apareceu com sua equipe mostrando o dedo do meio, com hashtags como #elenão, #elenunca, #elejamais, #elenemfodendo. A chef do Maní e apresentadora do MasterChef estava expressando seu repúdio ao então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, que acabou vencendo as eleições de 2018.
O post gerou uma chuva de comentários negativos, superando em muito os de apoio. Muita gente prometeu nunca mais pisar no restaurante e pediram mais respeito pelas visões políticas deles.
“Vai ser difícil consertar essa cagada”, escreveu um usuário. Diante da repercussão, Rizzo fez um post de esclarecimento, explicando seus motivos e tentando tirar o restaurante da discussão política.
“Meu gesto é uma manifestação contra o preconceito, o machismo, o racismo, a homofobia e a misoginia. Reforço também que ele foi pessoal e expressa tão somente a minha convicção, e não a do Grupo Maní”, escreveu ela.
Helena defendeu seu direito de ter e manifestar suas convicções políticas nas redes sociais, mas talvez não tenha medido o efeito da bomba que essas convicções poderiam gerar em um Brasil tão dividido politicamente.
Do Brasil aos EUA
Nos últimos anos, muitos chefs, como Rizzo, decidiram abandonar a neutralidade e usar suas vozes para defender o que acreditam, mesmo que isso possa custar clientes.
Nos EUA, restaurantes e cozinheiros estão se dividindo entre republicanos e democratas para defender seus candidatos em uma eleição que promete ser acirrada. Na semana passada, um grupo de 60 chefs e personalidades da gastronomia, incluindo nomes famosos como José Andrés e Giada de Laurentiis, organizou um evento online para arrecadar fundos para a campanha presidencial de Kamala Harris.
O evento, organizado pelo congressista californiano Eric Swalwell, amigo pessoal de Harris, levantou mais de US$250.000 para o comitê de captação do Partido Democrata.
Durante as transmissões, muitos elogiaram a relação de Harris com a comida, justificando que, além de ser a melhor opção para a presidência dos EUA, ela ainda cozinha bem.
O leitor pode perguntar: “mas o que isso tem a ver com política?”. Tudo, dizem os chefs. Andrés, conhecido por uma polêmica com Donald Trump quando decidiu abandonar um dos prédios do ex-presidente após críticas a imigrantes, é um dos mais fervorosos dessa teoria.
“Para mim, quando temos um líder que se importa com questões alimentares — e eu sei que a vice-presidente Kamala Harris se importa com elas —, que conhece e entende o poder de alimentar uns aos outros, esse é o poder de construir mesas maiores”, disse ele.
Swalwell, promotor do evento, concorda. “Esta campanha é sobre agir para abordar as preocupações da mesa da cozinha de todos os americanos”, disse ele à revista Bon Appétit.
Muitas das receitas da agora candidata, aliás, ganharam as redes, como uma forma de usar a comida como arma de marketing para promover campanhas e alavancar votos.
Sobrou até para Tim Walz, nomeado como possível vice da chapa de Harris, cujas preferências à mesa e o fato dele ter assinado almoços em uma escola em Minnesota ganharam repercussão nos últimos dias.
Claro, nesses casos, nem tudo é paz e amor. Há críticas apimentadas do outro lado dos republicanos, que fazem campanha para seus defensores boicotarem restaurantes comandados pelos chefs que participaram dos eventos.
Alguns receberam críticas tão negativas em seus perfis nas redes sociais que preferiram bloquear comentários em suas postagens, como a chef Nancy Silvertone.
Cozinhas politizadas
Entre preparar seus menus e darem suas caras e vozes para causas que defendem, cada vez mais chefs têm optado pelos dois, justificando que alimentação é, essencialmente, um tema político — ainda que isso lhes possa causar prejuízos.
A comida sempre representou uma plataforma, um veículo para mudança, tanto quanto uma necessidade e nutrição. Mas agora parece haver uma urgência particularmente nova em muitos profissionais em se posicionar.
Em seu livro Feed the Resistance (Alimente a Resistência, sem edição em português), a autora Julia Turshen defende que chefs e pessoas na indústria de restaurantes assumam um papel mais ativo politicamente, argumentando que é impossível separar comida e política.
Ela justifica que os profissionais têm uma plataforma e responsabilidade únicas para abordar questões de justiça social, como insegurança alimentar, desigualdade racial e direitos trabalhistas, além de temas como imigração, como é o caso de Andrés, que definiu essa uma de suas mais importantes bandeiras.
“A comida toca em quase todas as questões importantes”, escreve ela, por isso pode ser um importante meio para mobilizações na sociedade de questões cruciais, como justiça, igualdade e sustentabilidade.
O ativismo dos chefs deixou de ser uma escolha em um mundo tão politizado — e polarizado — em que é preciso deixar claro em que lado se está. Se vir a público defender ideias de um partido ou candidato pode causar perdas de clientes, ficar em cima do muro também.
“A era do chef politicamente agnóstico acabou”, bradou o jornalista Adam Reiner em sua página Restaurant Manifesto em 2020, quando as discussões sobre as cozinhas politizadas começaram a ganhar mais atenção no mundo todo.
“Os chefs estão se manifestando com um maior senso de urgência e nós deveríamos ouvi-los”, escreveu ele, ao defender que, como pessoas públicas e com grande poder de engajamento, cozinheiro não podem mais esconder o que pensam, sob o risco de também perderem credibilidade — e clientes, claro — com sua neutralidade.
Em um dos exemplos que ele traz no seu texto, sobre uma discussão que o chef Tom Colicchio comprou sobre a atuação do governo Donald Trump nos tempos de pandemia e a sua responsabilizado na morte de milhares de pessoas, um opositor simplesmente respondeu: “Eu acho que você deveria voltar para a cozinha, Tom”.
Não me parece que Collichio e seus colegas tenham a mínima pretensão de sair dela. Querem é transformá-la também em um palco para propagar suas crenças políticas para que elas satisfaçam as pessoas tanto quanto suas receitas.