No fim de semana, estive numa feira de Jerez em São Paulo. Mesmo no horário dedicado a profissionais, conversei com pessoas que admitiam achar o aroma e o sabor esquisitos. E, sinceramente, são mesmo (pelo menos nos secos).
O Fascínio do Jerez
A oxidação controlada pela qual esse símbolo da Andaluzia (junto com o flamenco e as touradas) passa encobre as características frutadas comuns a quase todos os outros vinhos sob um manto de aromas de nozes, couro, especiarias, madeira e, bem, de “velho”, sem falar no gosto meio salgado proeminente nos manzanillas e finos.
Eu gosto de brincar que a sorte do Jerez é ter sido criado antes das regras e tabelas para apreciação de vinhos. Se tivesse surgido depois dos anos 90, provavelmente teria sido descartado pelos especialistas.
Mas vale a pena insistir. Como diz meu amigo Vinicius Mesquita, Jerez é como jazz: é estranho no início, mas, com um pouco de insistência, abre um leque de prazeres insuspeitados. Assino embaixo, enquanto mastigo azeitonas e beberico um copinho de manzanilla.
O que é um Jerez e como é feito?
O Jerez é um vinho fortificado (com adição de aguardente vínica, aumentando o teor alcoólico) produzido num triângulo da Andaluzia (Espanha) que tem como vértices Sanlúcar de Barrameda, Puerto de Santa Maria e a própria cidade de Jerez de la Frontera.
De forma muitíssimo resumida, ele é feito assim: uvas da variedade palomino fino são colhidas antes de estarem muito maduras, esmagadas, e seu suco fermenta, resultando num vinho branco bastante ácido. Aí ele é fortificado, envelhecido por um tempo e levado para o sistema de solera, em que barris são empilhados em andares.
Todo ano, retira-se um tanto do vinho do “térreo” para engarrafamento. Aí passa-se vinho do primeiro andar para baixo, e assim sucessivamente. O vinho mais novo entra no andar de cima. Como os barris acabam misturando vinhos de várias idades, é difícil precisar a safra de um Jerez. Sistemas que têm muitos andares vão fazer vinhos mais envelhecidos.
Que história é essa de flor?
Existem basicamente duas famílias de Jerez secos: os que estagiam sob flor e os que apenas envelhecem em madeira.
A flor (ou véu) é uma película de leveduras que, em condições especiais de gradação alcoólica e contato com oxigênio (os barris não são cheios até o topo), se desenvolve na superfície do vinho dentro do barril. De certa forma, ela protege o vinho da oxidação e confere um certo grupo de aromas pungentes que lembram ervas, grama cortada, fermento e amêndoas. Esses vinhos costumam ser muito secos e até um pouco salgados. Esse processo é chamado de envelhecimento biológico.
Outros vinhos não são escolhidos para desenvolver flor. Nesse caso, eles são fortificados até uma gradação alcoólica um pouco mais alta, e enchem-se os barris até a borda, permitindo contato com oxigênio apenas pelos poros da madeira. Eles ficam mais escuros e desenvolvem aromas mais típicos de envelhecimento, como o de nozes e frutas secas. Esse é o método de envelhecimento chamado de oxidativo.
O negócio fica meio confuso quando falamos de Vin Jaune e outros vinhos do Jura (região francesa) que também envelhecem sob flor. Lá, eles chamam esse método de oxydatif.
Que tipos de Jerez existem?
- Fino: envelhecimento biológico. Por lei, envelhece pelo menos dois anos, mas períodos maiores são mais comuns.
- Manzanilla: um tipo de fino específico de Sanlúcar de Barrameda. É considerado mais delicado e tem mais influência marítima. Manzanilla significa camomila, que muitos identificam no seu aroma.
- Amontillado: é um vinho que envelhece biologicamente por alguns anos e outros tantos sem flor. Dessa forma, reúne o toque salino e pungente dos finos com a maciez dos olorosos. Uma festa. Acho que é meu favorito.
- Oloroso: vem de mostos menos delicados que os usados para Fino e Manzanilla. É fortificado até cerca de 17 graus, impossibilitando o surgimento de flor. Segue envelhecendo em solera pelo método oxidativo. Tem bastante corpo, com muita característica de madeira, notas balsâmicas e de frutas secas.
- Palo Cortado: inicialmente, era um vinho que começava sob flor, mas ela desaparecia. Aí, ele seguia a vida pelo envelhecimento oxidativo. Hoje em dia, podemos dizer que é um oloroso de caráter mais leve e delicado.
Mas Jerez não é um vinho de sobremesa?
Pois é. Em alguns lugares, as pessoas associam Jerez a vinhos doces. E eles existem! Normalmente, são feitos com a uva Pedro Ximénez (mas também podem ser feitos com moscatel e até mesmo palomino). Em geral, as uvas são secas até atingirem altíssimos níveis de dulçor e concentração. O resultado é um vinho viscoso e muito doce. Nesse caso, o nome da uva vai no rótulo. Existem os estilos Cream, Pale Cream e Medium, em que fortificados secos são misturados com os doces (ou até mesmo com mosto, em vinhos considerados de qualidade mais baixa).
Tudo é fortificado em Jerez?
Nem tudo. É crescente o movimento de produtores que fazem vinhos “normais”. Só tive boas experiências com eles. Um vinho tranquilo de palomino é uma delícia.
Este fim de semana tem Wine Jazz em São Paulo
Como falei em jazz lá em cima, aviso que este fim de semana tem Wine Jazz no Alto das Nações, na Chácara Santo Antônio. O evento acontece nos dias 8 e 9 e vai ter show de Léo Maia (além de outros artistas) e estandes da Grand Cru, World Wine, Casa Mediterrânea, Casa Valduga, Lidio Carraro, Audace, Cerro de Pedra, Basso, Quinta do Olivardo e Don Guerino. Haverá comida também, e a entrada é gratuita.
SAIDEIRA
Na saideira de hoje, nem vou indicar vinhos específicos, só reiterar o que falei lá no primeiro parágrafo. Dê uma chance pro Jerez, camarada. E outra.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/vamos-de-vinho/2025/11/08/se-voce-acha-jerez-estranho-insista.htm
