Recentemente, tive a oportunidade de dar palestras sobre “o ponto de vista do cliente” para profissionais de restaurante em La Paz, na Bolívia. O programa de formação, chamado Método Anfitrião, é uma iniciativa da Sabores de Altura, promovida pela Associação Gastronômica de La Paz e pela prefeitura da cidade. As atividades acontecem no restaurante Gustu, o mais famoso da Bolívia e membro do grupo organizador.
Uma Experiência Única
Além de tentar falar em espanhol (não é a primeira vez que faço isso mundo afora), aproveitei para compartilhar uma visão abrangente da gastronomia boliviana. Desde os restaurantes mais refinados até a deliciosa comida de rua.
Encontrei ingredientes que muitos poderiam rejeitar, como carne crua de jacaré e dentes de piranha das terras baixas, carne seca de lhama e porquinho-da-índia das altitudes.
Harmonização Boliviana
Para harmonizar, experimentei bons vinhos bolivianos, café local (como os da cafeteria Typica), singani (um destilado de vinho local) e a infusão de coca, indispensável para combater os efeitos da altitude.
La Paz, com sua paisagem urbana dominada por penhascos e vulcões no horizonte, fica a 3600 metros de altitude, num vale cercado por uma área ainda mais elevada, chamada El Alto, a 4100 metros acima do nível do mar.
Gustu: Uma Experiência Gastronômica
Foi minha segunda visita à cidade, e o efeito do ar rarefeito não foi muito diferente. No Gustu, restaurante premiado internacionalmente, o último passo do menu-degustação foi respirar oxigênio de um tubo.
As melhores lembranças foram dos pratos anteriores, sob o comando do chef Kenzo Hirose, como arroz com molho de grão-de-bico fermentado e lâminas de lhama, rabo de jacaré curado com papaia verde cozida, tucupi e emulsão de abacate, porquinho-da-índia com caldo de pato e sorvete de cogumelo com crocante de chocolate.
A chef anterior do Gustu, Marsia Taha, continua brilhando em seu próprio restaurante, o Arami, com pratos como jacaré cru picado com molho de maracujá.
Explorando Novos Sabores
Meu filho adolescente, Martim, enfrentou a visão aterradora da piranha com dentes arreganhados no Arami. O peixe, frito, foi servido com chivé (farofa de mandioca) e coco. Também no menu, corvina de rio defumada com castanha amazônica e pimenta ají gusanito.
Outros restaurantes que provei são voltados para a culinária típica. No Phayawi, a chef Valentina Arteaga recupera receitas de sua avó, como sopa de amendoim e guisados com pimenta, acompanhados por chuño (batata congelada e desidratada).
Ricos guisados também são a estrela do Semilla, uma “picantería” do chef Ernesto Bernal, com variantes de frango, porco ou língua, acompanhados por batata, milho ou chuño.
Também visitei o restaurante peruano Sach’a, do chef Jaime Barbas, e o Ancestral, da dupla Mauricio López e Sebastián Giménez, focado em carnes e vegetais.
Comida de Rua
La Paz é tomada por vendedores de comida de rua. Existe um projeto de apoio e qualificação para garantir a sessenta destas “abuelas” (avós) o conhecimento para venderem produtos com higiene e boas práticas culinárias.
Acompanhado da chef-celebridade Coral Ayoroa, provei delícias servidas há décadas na cidade. Sanduíches de Doña Elvira, tripa de porco na chapa com batatas da Julia Forra, sanduíche de pernil da Paulita, bolos de batata recheados da Doña Manuela e pés de porco na brasa de Patiparrillas.
Projeto Tukuy
Fechei a visita testemunhando uma aula de cozinha do Projeto Tukuy, onde se ensina a populações carentes como evitar o desperdício de alimentos. De alto a baixo, a comida boliviana tem muito o que dizer.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/josimar-melo/2025/07/30/de-carne-de-lhama-a-jacare-cru-e-piranha-comi-a-bolivia-de-cima-a-baixo.htm