Lago Sarez: Uma Bomba-Relógio Natural no Tadjiquistão

Em 30 de janeiro de 2024, um terremoto atingiu a fronteira da China com o Tadjiquistão. Foi um tremor relativamente leve, uma réplica do sismo de magnitude 7 que, sete dias antes, havia matado três pessoas e deixado um prejuízo de mais de US$ 500 milhões.

Histórico de Tremores

Desde 1900, houve 18 tremores com magnitude igual ou maior a 6,5 nessa área. A alta atividade sísmica traz um perigo adicional: um lago extremamente remoto pode causar uma tragédia sem precedentes.

O Lago Sarez

Em 18 de fevereiro de 1911, um tremor de magnitude 7,2 causou um deslizamento de 2,2 bilhões de metros cúbicos de terra, bloqueando o Rio Bartang e formando o Lago Sarez. Com cinco quilômetros de extensão e um paredão de 567 metros de altura, é a represa mais alta do mundo.

O deslizamento de terra enterrou a vila de Usoi e o lago submergiu a vila de Sarez, matando cerca de 300 pessoas. Usoi virou a barragem e Sarez, o lago.

Perigos Atuais

Desde então, Sarez é um potencial desastre. A ruptura da represa pode provocar uma tragédia maior do que aquela que a criou. Em 1968, um deslizamento de terra sobre o lago provocou ondas de dois metros de altura. Em 1997, um estudo concluiu que Usoi é instável, e que um terremoto poderoso poderia destruí-la.

O maior perigo está em um naco de cerca de 1,9 bilhão de metros cúbicos parcialmente desprendido na montanha. Se essa formação rochosa se desprender e mergulhar na água, o evento poderia desencadear uma inundação catastrófica.

Soluções Tentadas

Nos anos 1970, houve planos para construir uma hidrelétrica ali e até um túnel sob o lago para drená-lo aos poucos. Mas o isolamento da região impediu a realização desses planos.

Em 2018, surgiu um plano para explorar a água do lago, chamada de “ouro azul”, mas o isolamento da região impediu a comercialização do Sarez na forma de garrafinhas de água mineral.

Turismo

O lago é lindo, mas é preciso uma permissão especial e contratar agências específicas para visitá-lo. É uma região isolada, sem infraestrutura, ligada ao resto do mundo por duas estradas que frequentemente fecham devido ao mau tempo.

Possível Desastre

Se houver um terremoto forte o bastante para destruir a barragem ou derrubar o rochedo pendente no lago, o desastre tem o potencial de atingir proporções de Velho Testamento. Ondas de 250 metros de altura varreriam o vale abaixo a uma velocidade de seis metros por segundo. Cerca de 130 mil pessoas poderiam morrer nas imediações, mas um total de 6 milhões habitam a área de risco.

Geofísicos calcularam que o número de mortos poderia chegar a 600 mil. Quem sobrevivesse às inundações perderia sua casa e o acesso a água potável. O risco de contaminação seria grande, pois a água atingiria cemitérios e valas usadas para enterrar gado. Além de contaminação, as ondas espalhariam também minas terrestres ativas.

Refugiados

Haveria milhões de refugiados em direção aos países vizinhos, que também sofreriam com o colapso. Isso em uma região em que o acesso a água já é um problema.

Em 1999, a ONU fez um levantamento e constatou que se trata, “potencialmente, do pior desastre natural da história”. Além da tragédia humanitária, a desgraça seria enorme também para a biodiversidade, a geopolítica e a economia.

Impactos Ambientais

Inundações causadas por uma fissura na barragem enviariam bilhões de litros de água, detritos rochosos e sedimentos pelos rios Bartang, Panj e Amu Darya, possivelmente até o Mar de Aral, afetando milhões de pessoas no Tadjiquistão, Afeganistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Cazaquistão.

Também está em risco a biodiversidade única das Pamir e de diversas reservas naturais no oeste do Tadjiquistão, lar de espécies protegidas internacionalmente, como o raríssimo leopardo-das-neves e o veado-vermelho-de-bukhara.

Estudo do Banco Mundial

Em 2004, o Banco Mundial fez um estudo que concluiu que o Sarez era, sim, seguro. O país não tomou nenhuma grande iniciativa em relação ao lago desde o plano fracassado das águas engarrafadas.

Por outro lado, a aposta tadjique em grandes barragens artificiais está à toda. O país já tem a Nurek Dam, uma das maiores e a segunda mais alta do mundo.

Usina de Rogun

Desde os anos 1970, o Tadjiquistão está construindo a usina de Rogun. Quando concluída, a barragem terá 335 metros de altura. Será a mais alta do mundo. Mas a um custo que tem gerado muita polêmica.

Em 2024, os ambientalistas Eugene Simonov e Manana Kockladze elencaram os problemas da obra faraônica. Menos de 25% da usina está pronto, e ainda assim mais de 7 mil pessoas já foram deslocadas, em um processo que as deixou mais vulneráveis e sem compensação econômica satisfatória.

Estima-se que até 60 mil pessoas serão deslocadas. Os impactos ambientais também podem ser devastadores: a inundação atingiria uma área de florestas com rica biodiversidade.

Impactos na Bacia do Rio Vakhsh

A hidrelétrica, construída no Rio Vakhsh, vai trazer impactos tremendos às comunidades que habitam essa bacia, incluindo cidades nos vizinhos Uzbequistão e Turcomenistão.

Até o Mar de Aral pode sofrer (ainda mais) com a nova barragem.

Questão de Vida ou Morte

O governo do país segue em frente porque alega que se trata de uma questão de vida ou morte. O Tadjiquistão sofre com falta de acesso crônica a água e onde menos de 10% das terras são adequadas para a agricultura.

Alternativas

Para os ambientalistas, diminuir o tamanho da obra e investir o dinheiro economizado em usinas de energia solar seria mais prudente. Reduziria o impacto socioambiental da hidrelétrica e deixaria o país menos dependente de uma energia suscetível a oscilações de produção.

Investimento do Banco Mundial

O Banco Mundial concluiu que os prós superam os contras. Desde 2011 a instituição vem encorajando a obra por meio de estudos e levantamentos. No fim do ano passado, ela aprovou um investimento de US$ 350 milhões.

“A usina proporcionará melhor acesso a eletricidade a cerca de 10 milhões de pessoas e ajudará a aliviar a escassez de energia que se tornou persistente durante o inverno”, informou o Banco Mundial.

“Além disso, cerca de 70% da eletricidade gerada pela Rogun será exportada para o Cazaquistão e o Uzbequistão. Isso substituirá a geração de combustíveis fósseis a um preço acessível, reduzindo assim as emissões de gases de efeito estufa.”

Conclusão

Entre o rompimento de uma represa natural e a construção de uma artificial, existe um alívio em meio a esses cenários. Em um hipotético colapso da barragem de Usoi, a água do lago Sarez não engoliria as obras da hidrelétrica de Rogun nem, consequentemente, a represa que ela formará quando estiver pronta.

Não haveria, portanto, um megazord lacustre para afogar a Ásia Central. Ainda assim, a perspectiva é assustadora.

Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/terra-a-vista/2025/07/07/represa-mais-alta-do-mundo-pode-causar-tragedia-diabolicamente-apocaliptica.htm

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