Os Lençóis Maranhenses, famosos por suas dunas de areia e lagoas cristalinas, estão vivendo um verdadeiro boom turístico. Esse crescimento é comemorado por quem lucra com os turistas, mas também traz desafios de sustentabilidade e preocupações para os moradores locais.
Destino de Luxo
Os Lençóis foram eleitos o principal destino de luxo para brasileiros, segundo o Anuário de Tendências de Luxo 2025. Além disso, ficaram em quarto lugar no ranking de destinos brasileiros mais pesquisados por turistas estrangeiros em 2024, de acordo com a plataforma SimilarWeb.
Esse fenômeno movimenta a economia local, gerando emprego e renda. No entanto, o parque nacional e as áreas ao redor enfrentam problemas como pontos de apoio lotados e obras irregulares.
Impactos Ambientais
Segundo Cristiane Figueiredo, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o aumento no fluxo de turistas vem ocorrendo gradualmente a cada ano, especialmente desde a pandemia. Em 2021, os Lençóis receberam mais de 280 mil visitantes, número que subiu para cerca de 440 mil em 2024.
Em julho de 2024, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses foi reconhecido como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, o que trouxe mais visibilidade ao local e pode ter contribuído para o aumento do fluxo de turistas.
Melhorias na infraestrutura viária e o impulsionamento midiático do governo e de celebridades também explicam o fenômeno.
Problemas com Veículos
Para Cristiane, um dos problemas ambientais é o excesso de veículos, que causa desgaste do solo e da vegetação. Muitos veículos não são credenciados e há registros de condutores que ultrapassam a área delimitada para circulação de automóveis e infringem outras regras.
“O turismo nos Lençóis é todo feito por meio de agências. Nós autorizamos veículos, condutores e guias”, afirma Cristiane.
Aqui é um ambiente diferente, é preciso ter conhecimento para poder dirigir nesse local. Há o risco de acidentes e o atropelamento de animais.
Cristiane Figueiredo
Hoje, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses não tem um número limite de visitantes. O ICMBio estuda o tema para traçar um plano de ação em relação à proteção do parque.
Protestos e Segurança
Em maio de 2023, operadores de turismo realizaram um protesto contra a circulação de veículos não credenciados nos Lençóis, cobrando mais rigor das autoridades no acesso ao parque. Eles denunciaram que condutores irregulares estavam dirigindo em alta velocidade, com bebida alcoólica e ouvindo música alta.
Turistas e Mudanças
A designer Thayla Miranda, 32, nasceu em São Luís e se mudou para Atins, uma das cidades mais próximas dos Lençóis, no início de 2019. Ela conta que, certa vez, um morador da região foi ameaçado com uma arma após reclamar com um condutor irregular.
“O rapaz foi reclamar com o condutor e o segurança do cara mostrou uma arma para ele e o mandou se afastar. É gente de elite que frequenta aqui. Enche a cara, perde a noção e faz o que quer porque está num lugar onde ninguém o conhece”, diz Thayla.
Tem um grupo imenso que vem para cá de UTV [veículo intermediário entre carro e quadriciclo] e dirige [na vila, que fica próxima ao parque] como num filme de Mad Max. As ruas de Atins são estreitas. Tem muita criança que anda por aqui, muito animal solto. É uma vila. Eles andam a toda velocidade, jogam poeira na cara da gente. Cada treco daquele tem um som altíssimo.
Thayla Miranda, designer
Para Thayla, o perfil dos turistas mudou drasticamente desde a pandemia. Antes, eram pessoas que se encantavam com a simplicidade. Hoje, muitos reclamam de aspectos característicos do local, como ruas não pavimentadas.
Lixo e Infraestrutura
Thayla destaca outro problema: o lixo gerado nos “pontos de apoio”, locais onde turistas param para comer, pernoitar e descansar. Esses locais estão sobrecarregados, com filas enormes e mais sujos. O problema é identificado também pelo ICMBio.
“Os pontos de apoio têm uma capacidade de suporte limitada devido à sensibilidade do local”, explica Cristiane. “Além de haver dificuldade na retirada do lixo nessas áreas remotas, o lençol freático é muito alto [e a água corre risco de ser contaminada].”
A turismóloga Cris Marques, que já fez a travessia pelos Lençóis sete vezes, disse em um post nas redes sociais que a cara do lugar mudou.
“Vi grupos gigantes e pessoas totalmente desconectadas com o lugar. O maior impacto foram nos oásis: gente falando alto, inclusive durante a madrugada, enquanto outras pessoas estavam dormindo. Pontos de apoio visivelmente sobrecarregados, banheiros com filas e consequentemente, mais sujos, especialmente pela falta de noção de coletivo de muitas pessoas que fazem a travessia”, escreveu.
Desafios para Guias
O agente de viagens Janailton Santos, 38, que trabalha também como intérprete para estrangeiros na Rota das Emoções (circuito turístico que passa pelos Lençóis) diz que os turistas são instruídos a não gerar resíduo e não levar bebida alcoólica para dentro do parque, mas muitos desobedecem a orientação.
Janailton destaca ainda outra atitude rotineira por parte dos turistas: muitos entram no parque sem um guia turístico, ou com guias de fora.
“O parque é uma área de centenas de hectares, então é preciso circular com quem conhece o local. Os guias nativos conhecem bem”, afirma. “Turistas que não seguem essa recomendação acabam também desafiando a lógica comercial da operação do parque. Os guias nativos dependem dessa atividade para sustentar suas famílias.”
Mercado Imobiliário
Com o aumento do fluxo de turistas nos Lençóis, cresceu também o número de pessoas que buscam um imóvel nos arredores do parque. Barreirinhas, Santo Amaro, Atins, Tutóia e Paulino Neves são algumas das principais cidades que cercam o local.
Segundo o corretor André Neves, houve uma explosão no mercado imobiliário na região desde o início da pandemia. Barreirinhas é a maior em extensão e a mais populosa e, por isso, concentra o maior número de demandas.
Barreirinhas está hoje um verdadeiro canteiro de obras de condomínios de alto luxo. É o destino ideal para quem quer ter uma mansão, andar de lancha e farrear no final de semana.
André Neves, corretor
“Já Santo Amaro atrai clientes que buscam rentabilidade, pela questão da proximidade com o campo de dunas. Um final de semana em uma casa na cidade não sai por menos de R$ 7.000. Multiplique isso por quatro e você obtém quase R$ 30.000 por mês”, acrescenta.
Segundo Cristiane, há pelo menos cinco empreendimentos nas cidades próximas aos Lençóis que apresentam irregularidades.
Um caso emblemático é o do condomínio “Terra Ville Residence”, em Santo Amaro, que foi alvo de uma ação do Ministério Público Federal (MPF) por construções em áreas sensíveis, a apenas 200 metros do campo de dunas. O plano de controle ambiental do condomínio, apresentado à Sema (Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais), não menciona a grande proximidade com o parque.
O projeto da estrada que dá acesso ao loteamento do condomínio também apresenta problemas: está situado em parte sobre a zona de amortecimento e foi aprovado pela Sema sem a devida autorização do ICMBio.
Diante dos fatos, o MPF pediu à Justiça uma série de medidas, entre elas a suspensão imediata da licença ambiental concedida pela Sema, do alvará de construção e aprovação de loteamento do condomínio, bem como da estrada de acesso ao empreendimento.
Procurada por Nossa, a Sema afirmou, por meio de nota, que “o processo de licenciamento ambiental do empreendimento (…) foi conduzido com rigor em total conformidade com as legislações ambientais federais e estaduais.” A reportagem contatou também o “Terra Ville Residence” e a Prefeitura de Santo Amaro, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/08/06/dirigem-como-em-mad-max-hype-dos-lencois-maranhenses-vira-dor-de-cabeca.htm