O genial e modesto Luis Fernando Verissimo nos deixou no último sábado. Ele era mais do que um escritor; era um pensador, que falava pouco, mas tinha uma sabedoria única, breve e profunda, como uma cachoeira de haicais.
Humanitário e Crítico
Mesmo sem falar muito, Verissimo transbordava um pendor humanitário tocante. Claro, não faltam detratores, os famosos “haters”, que o acusavam de ser esquerdista, hipócrita, e de viver uma vida de luxo em Paris.
Não os leio, então não me incomodam. São geralmente desocupados que adoram odiar, ou gente ocupadíssima e bem remunerada, como a gangue do gabinete do ódio bolsonarista. Fora, claro, os robôs teleguiados.
Não os leio nem respondo, mas li e lerei Verissimo, sempre.
Paixões em Comum
Verissimo e eu sempre tivemos algumas manias em comum: amantes das letras, apaixonados por comida, e com uma alma socialista.
Verissimo falava pouco pela boca, reservando-a para comer, beber e tocar seu saxofone.
Em um de nossos encontros, eu “monologava” com ele, enquanto ele “monossilabava” comigo, tudo com tradução simultânea da querida Lucia, sua mulher.
Amante da Boa Mesa
Ela, por sinal, também amante da boa mesa, mas que maneja o fogão, ao contrário de Luis Fernando, que se dizia incapaz de sequer colocar a carne no espeto.
Mas quando escrevia, ele expressava tudo o que era o Brasil e o ser humano, do melhor e do pior. E sempre que tinha uma deixa, falava da boa mesa.
Fez isso em um pequeno romance de humor negro, “O Clube dos Anjos”, parte de uma coleção sobre os sete pecados capitais. Já o livro “A Mesa Voadora” compilou crônicas também sobre comida e suas tantas implicações.
Reunidas em livro ou não, foram infinitos textos em que a comida espocava em menções como a de seus restaurantes preferidos em Paris, ou do prazer sensual de uma gema mole de ovo frito se esparramando sobre o arroz.
Luis Fernando era um gourmet autêntico. Fascinado pela cozinha francesa, que frequentava em Paris e no Brasil, inclusive em Porto Alegre.
Amor pela Terra Natal
Mas ao mesmo tempo em que adorava os franceses, não deixava de reverenciar os sabores da sua terra e da sua infância.
Ele entendia que, em Paris ou em Porto Alegre, num restaurante francês multiestrelado ou num assado ao ar livre no frio campo gaúcho, o prazer da mesa é um direito inerente ao ser humano, não deveria ser um privilégio.
Nunca houve contradição entre seu amor pela humanidade e pela boa mesa – seja ela com três estrelas Michelin ou sob milhões de estrelas da Campanha.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/josimar-melo/2025/09/03/meu-esquerda-caviar-favorito-verissimo-mostrou-belezas-da-alma-e-da-mesa.htm