Você sabia que a tumba de Cleópatra ainda é um dos maiores mistérios da arqueologia? Se um dia for encontrada, mesmo sem as riquezas das sepulturas de outros soberanos egípcios, pode transformar o turismo mundial.
O Mausoléu de Cleópatra Selene
Mas, enquanto isso não acontece, existe um mausoléu de Cleópatra que é conhecido há séculos. Não é da Cleópatra famosa, mas sim de sua filha, Cleópatra Selene 2ª, rainha da antiga Mauritânia.
O mausoléu é uma construção de pedra grandiosa, com 30 metros de altura, cerca de dez a menos do que quando foi erigido. As intempéries do tempo ao longo de dois milênios deterioraram o topo da estrutura.
Mesmo assim, ele segue firme. Patrimônio da Unesco, já superou diversas ameaças. Porém, as que vêm se impondo diante dele nos últimos anos são mais perigosas.
A outra Cleópatra
Na Antiguidade, a Mauritânia era uma região do norte da África que corresponde à costa da atual Argélia e ao norte do Marrocos. Não confunda com a moderna Mauritânia, país que fica no noroeste do continente.
A partir do século 6º a.C., a cidade de Tipasa se desenvolveu como um importante porto no Mediterrâneo e um entreposto comercial estratégico para Cartago. Em 146 a.C., a República Romana derrotou Cartago nas Guerras Púnicas. Pouco depois, os reis da Mauritânia se tornaram vassalos de Roma.
Tipasa passou a integrar a província da Mauritânia Cesariense. Nos séculos seguintes, ela ganhou edifícios romanos e cristãos. Invadida pelos vândalos em 430 e reconquistada pelos bizantinos em 531, entrou em declínio no mesmo século.
Esses mil anos de história juntaram influências fenícias, romanas, paleocristãs e bizantinas, e por isso a Unesco a incluiu em sua lista de patrimônios culturais.
O mais impressionante, do pouco que sobrou, é o Mausoléu Real. “Circular, monumental, o edifício funerário associa a tradição arquitetônica local do tipo basina a um estilo de cobertura truncada escalonada”, descreve a Unesco.
O mausoléu foi construído por volta de 3 a.C., durante o reinado de Juba 2º, que governava a Mauritânia junto de sua esposa, Cleópatra Selene.
Juba 2º era um príncipe da Numídia, reino vizinho que fora conquistado pelos romanos. Ainda menino, foi levado para Roma por Júlio César, onde aprendeu latim e grego, escreveu diversos livros e se tornou um dos mais instruídos cidadãos romanos. Em 30 a.C., o imperador Augusto fez dele rei da Numídia e, mais tarde, da Mauritânia.
Cleópatra Selene também viu os pais derrotados e acabou sendo levada a Roma. Filha de Cleópatra e Marco Antônio, ela virou uma espécie de “nepo baby” trágica e involuntária.
Criada no coração do poder, na casa de Otávia, irmã do imperador, ela se casou com Juba 2º e comandou a Mauritânia ao lado dele. Cleópatra investiu em grandes projetos arquitetônicos e ficou no trono por cerca de 20 anos, até morrer, em cerca de 5 a.C.
Abandono e ameaça
Nos últimos 1.500 anos, Tipasa foi se reduzindo a ruínas, enquanto o mausoléu resistia a diversas ameaças. Em 1555, o paxá de Argel, Salah Rais, ordenou a demolição do mausoléu para saquear os tesouros. Os corpos de Juba 2º e Cleópatra Selene jamais foram encontrados, sugerindo que o local já havia sido vandalizado no passado.
Porém, os soldados do paxá, ao levantarem as pedras, enfrentaram um enxame de vespas assassinas. Os homens caíram mortos, e ninguém mais se meteu com o mausoléu por alguns séculos.
O explorador britânico Lambert Playfair escreveu um livro em 1877 sobre suas viagens entre Argel e Túnis. Segundo ele, o mausoléu tem uma localização especial:
“Destinado a ser visto de perto e de longe, ainda está totalmente escondido da vista em Cherchel pelo Monte Chenoua, presumindo-se que o rei não gostaria de ter o tempo todo, à vista de sua residência, o túmulo que ele havia mandado construir para si.”
Cherchel é a cidade argelina que brotou das ruínas de Cesareia, antiga capital da Mauritânia nos tempos de Cleópatra Selene. Ou seja, o mausoléu sempre esteve próximo de regiões povoadas e estradas.
No século 19, a Argélia fazia parte do Império Francês, que cometeu diversos abusos no território até o país conquistar a independência, nos anos 1960. Entre eles, estava usar o mausoléu como exercício de tiro ao alvo para os navios estacionados na costa.
Em tempos mais recentes, a situação não melhorou. Urbanização crescente, esgoto a céu aberto e vandalismo aumentaram a pressão sobre as ruínas de Tipasa, que, entre 2002 e 2006, integrou a lista de patrimônios ameaçados da Unesco.
Um plano de restauro e preservação apresentado pelo Ministério da Cultura da Argélia conseguiu livrar o sítio arqueológico. Mas as ameaças continuaram.
Um dos maiores portos do Mediterrâneo
Em 2015, Abdelaziz Bouteflika, presidente da Argélia, anunciou o plano para a construção de um porto de águas profundas em El Hamdania, na província de Tipasa. Bancado com investimentos chineses, ele seria um dos maiores portos do Mediterrâneo.
Os portos da Argélia não estão aptos para receber grandes navios. El Hamdania seria uma oportunidade para turbinar o comércio marítimo do país.
Mas havia uma porção de “poréns”. O custo estimado da obra disparou, chegando a US$ 5,3 bilhões. Os chineses seriam donos de 49% do porto. A Unesco e outros órgãos apontaram a ameaça que ela representava para as ruínas milenares de Tipasa, inclusive o Mausoléu de Cleópatra.
Em junho deste ano, o governo argelino cancelou a construção. O principal motivo alegado foi técnico e financeiro. Segundo uma reportagem do site “The Arab Weekly”, a razão principal foi a relação Argélia-França, que está muito desgastada.
O governo preferiu arriscar a parceria econômica com a China e apaziguar o clima com Paris, dando preferência a empresas francesas, que poderão fazer obras de modernização em portos já existentes no país.
Salvar o patrimônio histórico do país não entrou na argumentação, pelo visto. Mas tudo bem. Se alguma potência estrangeira decidir pôr abaixo o mausoléu, talvez precise lidar ainda com as vespas.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/terra-a-vista/2025/08/18/megaporto-ameaca-mausoleu-de-cleopatra—mas-nao-daquela-que-voce-pensou.htm