O novo resort norte-coreano de Wonsan Kalma, inaugurado pelo líder Kim Jong-un em 24 de junho, até agora só recebeu turistas estrangeiros russos.
Primeiras Impressões
Anastasia Samsonova, especialista de recursos humanos de 33 anos de Moscou, foi uma das primeiras visitantes do resort. Junto com um grupo guiado de outros 12 russos, ela passou três dias em Pyongyang antes de chegar ao litoral. Ao jornal The Wall Street Journal, ela contou que a experiência foi um pouco desconcertante.
“A praia inteira estava vazia. Na verdade, parecíamos ser os únicos hóspedes no resort inteiro”, disse. Por outro lado, o serviço foi ótimo diante da falta de outros turistas. Ao pedirem brioches e mingau, logo foram atendidos. Caixas de som portáteis eram entregues na areia conforme a demanda dos visitantes. “Nós realmente nos sentimos as pessoas mais importantes no planeta.”
Como lembrancinha das férias em um dos aliados militares da Rússia, Anastasia levou uma miniatura de uma ogiva nuclear.
Turistas Influentes
Os turistas selecionados para visitar Wonsan Kalma eram russos bem viajados e influentes, segundo viajantes ouvidos pelo jornal americano. A maioria deles eram casais e não havia crianças no grupo. Seus planos incluíam ir de Pyongyang a Wonsan Kalma de avião, mas eles receberam orientações abruptas de que teriam de fazer o percurso de trem, o que atribuíram à visita simultânea do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, ao balneário.
Eles levaram 10 horas para completar a viagem de 193 km até o resort, passando por zonas rurais pelas linhas férreas antigas do país. “Pudemos ver bastante pelas janelas do trem”, comentou Daria Zubkova, uma veterinária de 35 anos de São Petersburgo. Ela comemorou ter encontrado poucas restrições do que podia fotografar ou filmar.
Separação de Praias
Em Wonsan, os russos foram avisados que havia praias separadas para norte-coreanos e estrangeiros. O parque aquático que fica dentro do perímetro do resort também não tinha entrada permitida para eles.
Alexander Spevak, gerente de marketing que organizou o passeio guiado do grupo de russos por Wonsan Kalma, contou ao jornal que o clima logo mudou no resort com a chegada do ministro Lavrov. Uma multidão de turistas norte-coreanos aparentemente abastados, pelo que indicava suas roupas e celulares, inundou o local. Eles receberam roupas de banho, óculos de natação e chapéus, sendo conduzidos em massa à água.
A ordem incluía até a guia norte-coreana que estava com o grupo russo e teve que se manter colada a um dos turistas por horas. “Nossa guia não sabia nadar! Ela estava tão assustada”, comentou.
Custos da Viagem
Uma semana de viagem saiu por cerca de US$ 2.000 (R$ 11.020), com voos, refeições e traslados dentro do país inclusos. Lanches ou atividades de lazer extras deveriam ser pagas à parte, segundo o jornal. Comida, chá, água ou cerveja eram servidos em abundância, mas outras opções de bebidas não estavam disponíveis.
Do valor total, US$ 435 (R$ 2.397) correspondiam à taxa da agência de viagem que facilitou a hospedagem. Entre os extras, 10 minutos de wi-fi saíam por US$ 1,70 (R$ 9,40), uma garrafa de cerveja custava US$ 0,60 (R$ 3,30) e uma massagem facial valia US$ 15 (R$ 82,65).
Já uma miniatura do míssil balístico intercontinental Hwasong-17, sobre seu veículo de lançamento, chegava a US$ 465 (R$ 2.562,20).
Para fazer as compras, os russos passavam braceletes de pagamento eletrônico, método já usado em resorts nos EUA. No entanto, eles precisavam “carregar” o acessório com valores em dólares americanos, euros ou yuan chinês antes de gastar. Curiosamente, o rublo (a moeda russa) não era aceita.
Cortesias foram prestadas ao grupo russo. A certa altura, a veterinária Daria perguntou a um funcionário norte-coreano quanto custaria para alugar um jet ski e um quadriciclo motorizado, no entanto, como ele não sabia o quanto cobrar, o passeio foi gratuito.
Por causa do cancelamento do voo de Pyongyang até Wonsan, os russos ainda receberam um reembolso em dinheiro de US$ 200 (R$ 1.100).
Estratégia de Kim
Durante a inauguração, Kim Jong-un anunciou que o resort na chamada Área Turística Costeira de Wonsan-Kalma é apenas “o primeiro passo” de uma política de desenvolvimento de “turismo cultural” na Coreia do Norte, que incluirá a construção de outros resorts em diferentes regiões do país “o mais rápido possível, com base nos sucessos e experiências ganhos no desenvolvimento da península de Kalma”.
Apesar disso, o interesse orgânico dos turistas pode não corresponder à importância do local para o líder. “A maioria das pessoas indo à Coreia do Norte quer ver Pyongyang, os locais militares, os monumentos e marcos relacionados ao comunismo”, comentou ao jornal americano Rowan Beard, co-fundador da Young Pioneers Tours, agência de viagem baseada na China e especializada em tours no país.
A abertura de Wonsan Kalma foi promovida na mídia estatal norte-coreana como uma conquista das políticas voltadas ao bem-estar da população estabelecidas pelo governo local.
No entanto, as grandes construções na Coreia do Norte “frequentemente têm um ângulo ideológico”, apontou ao The Wall Street Journal o pesquisador em assuntos norte-coreanos Eric Ballach, do German Institute for International and Security Affairs, e as visitas ao resort devem ser oferecidas como “recompensas por lealdade especial” àqueles que se aliam ao regime de Kim, em sua opinião.
“O alvo inicial para este resort será a privilegiada elite doméstica de Pyongyang, como oficiais do partido e outras figuras de alto escalão. A cerimônia em Wonsan-Kalma reflete a visão de Kim Jong-un de uma ‘civilização socialista’ e é parte de seu esforço estratégico de buscar saídas econômicas através da indústria do turismo”, comentou ainda à CNN o professor Lim-Eul-Chul, que ensina estudos norte-coreanos na Universidade Kyungnam, da Coreia do Sul.
No ano passado, pequenos grupos de turistas russos já haviam visitado o Masikryong Ski Resort para esquiar por três dias. As experiências turísticas seriam altamente monitoradas e controladas pelo governo norte-coreano, de acordo com a CNN. Estas práticas devem se repetir em Wonsan Kalma.
O turismo na Coreia do Norte é restrito e supervisionado pelo governo há décadas, com cerca de 5.000 ocidentais visitando o país a cada ano antes da pandemia. Cerca de 20% desses turistas eram norte-americanos, até que Washington proibiu viagens ao país após a prisão e morte do estudante Otto Warmbier, que morreu após ser repatriado aos Estados Unidos.
No entanto, visitar o país asiático se tornou ainda mais difícil após a covid-19. A Coreia do Norte fechou totalmente suas fronteiras naquela época e não retirou as restrições até a metade de 2023. Os primeiros turistas estrangeiros, os russos, só chegaram quase um ano depois. Atualmente, depois dos russos, os chineses são os visitantes internacionais mais comuns por lá.
As nacionalidades têm a ver com as simpatias políticas entre seus países, o que pode tornar ainda mais difícil a popularização do novo resort.
Fonte: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2025/08/11/unicos-hospedes-estrangeiros-em-misterioso-resort-norte-coreano-sao-russos.htm