Imagina só: um dia de outono europeu, quase 18h, e um grupo gigante se reúne no centro de Praga. Parece uma manifestação, mas na real, são só milhares de turistas esperando perto do Relógio Astronômico na Praça da Cidade Velha.
Logo, o famoso relógio medieval, com suas figuras de apóstolos e um galo que cacareja, começa seu show. A galera, vinda de todo o mundo, filma tudo com seus celulares. “É lindo, valeu a pena esperar, uma ótima experiência”, diz George, de 40 anos, de Chicago, EUA. Praga é uma das cinco paradas da viagem de duas semanas dele pela Europa.
Outro grupo de turistas se aglomera na entrada da Biblioteca Municipal de Praga. Não porque estão interessados na biblioteca em si, mas por causa de uma escultura do artista eslovaco Matej Krén. São 8.000 livros empilhados com dois espelhos que criam a ilusão de espaço infinito. A escultura está lá desde 1998, mas só ganhou fama depois de ser incluída no guia Lonely Planet.
Para quem trabalha na biblioteca, a vida nunca mais foi a mesma. “Não sabemos o que fazer. Somos uma instituição pública, não podemos cobrar ingresso nem restringir a presença de turistas. Mas muitas vezes é insuportável”, diz uma bibliotecária a uma visitante idosa que tem dificuldades para atravessar a multidão.
Fim do turismo noturno de bebedeira
Esses são só dois exemplos de como o centro histórico de Praga sofre com o turismo em excesso. Praga é uma das cidades mais visitadas na Europa e muitos guias a elogiam como a mais bela cidade europeia.
Agora, o governo de Praga decidiu agir contra uma das manifestações mais incômodas do turismo em excesso: os pub crawls noturnos. Esses passeios guiados por pubs à tarde e à noite, onde os turistas podem beber o quanto quiserem, foram proibidos das 22h às 6h.
“Acho que finalmente ajudamos no sono dos moradores de nossa cidade. Praga é um lugar para todos que se comportam de forma decente e atenciosa”, comenta o vereador Jiri Pospisil.
De fato, a proibição dos pub crawls tarde da noite, imposta em meados de outubro, agradou a muitos moradores do centro de Praga. “Especialmente no verão, muitas vezes eu tive que chamar a polícia às 3h por causa desses grupos. Quando você tem um grupo de 30 bêbados sentados no meio da rua, embaixo da sua janela, isso é insuportável”, diz o arquiteto Tomas Vich.
Cada vez menos moradores
As barulhentas bebedeiras noturnas dos turistas não são a única coisa que incomoda Vich. Outro problema é o Airbnb. O aluguel de apartamentos para turistas atingiu proporções alarmantes em Praga, com cada vez menos moradores locais vivendo no centro da cidade.
“O pior não é a escadaria toda vomitada por turistas bêbados, mas o fato de, num prédio onde vivem famílias com filhos pequenos, andarem pessoas que você não conhece.”
Na República Tcheca é ilegal alugar apartamentos para turistas, mas as autoridades não punem quem descumpre a lei. “Estamos cientes de que esse negócio de hospedagem está piorando a situação habitacional em Praga”, admite Pospisil. Mesmo assim, o governo local ainda não decidiu tomar medidas decisivas contra o aluguel de apartamentos para turistas.
Importante setor econômico
O motivo é a enorme importância do setor de turismo para a economia tcheca, especialmente para Praga. De acordo com a agência estatal CzechTourism, a receita oriunda do turismo em 2023 foi equivalente a cerca de 7 bilhões de euros. Isso, e cerca de 250 mil postos de trabalho, torna o turismo para a República Tcheca mais importante do que, por exemplo, a agricultura.
Em 2023, 22 milhões de turistas estrangeiros passaram a noite na República Tcheca, mais de 8 milhões deles em Praga. Este ano está sendo ainda melhor para o turismo do país. A maioria dos turistas vem de países vizinhos, mas o número que vem de longe também está, este ano, se aproximando dos níveis anteriores à pandemia de covid-19.
Alguns negam que haja turismo em excesso na capital – eles afirmam que há apenas alguns lugares afetados, como o centro histórico de Praga. “Cerca de 1,3 milhão de pessoas vivem em Praga, e cerca de 8 milhões visitam a cidade todos os anos. Portanto, os números não são tão ruins”, disse Karel Vyrut, um conhecido especialista em turismo tcheco, recentemente na emissora pública Rádio Tcheca. “O problema é mais a hospedagem de curto prazo em apartamentos, que não está sob controle. Sete em cada dez pessoas em moradias no centro histórico são turistas.”